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AMBIENTAL - TEXTO 9: DIREITO URBANÍSTICO

Atualizado: 16 de ago. de 2023


DIREITO URBANÍSTICO


(Parte 1)

INTRODUÇÃO



Conforme tivemos oportunidade de ver, o patrimônio ambiental também engloba o patrimônio cultural, histórico e artístico e bem artificiais.

Nessa tônica, a proteção das cidades também está dentro dos interesses ambientais. E isso é muito acertado, tendo em vista que, no Brasil, a maioria da população vive nas cidades, essa concentração não só faz pressão nos recursos ambientais, mas também pode representar u grande decréscimo na qualidade de vida das pessoas.

No entanto, não é o direito ambiental que vai tutelar diretamente as questões que envolvem as cidades brasileiras. Existe uma disciplina jurídica, irmã mais velha do direito ambiental, que é o direito urbanístico, que vai se ocupar diretamente disso.

O direito urbanístico, assim como o próprio urbanismo, é muito bem assentado e resolvido, contanto com princípios e instrumentos muito eficientes. Seu objetivo é melhorar a qualidade de vida das pessoas. Mas, infelizmente, além de ser irmão mais velho do direito ambiental, é uma espécie de primo pobre no direito, aquele a que ninguém presta muito a atenção e considera. Infelizmente porque ele tem o que é necessário para mudar a vida e alterar para melhor a realidade de milhões de brasileiros, porém, sua aplicação é extremamente defeituosa. Na imensa maioria dos casos, suas determinações são cumpridas apenas de modo formal e tudo permanece como está.

Quando o direito urbanístico e o direito ambiental andarem, de fato, de mãos dadas e forem levados a sério pelos executivos e legislativos municipais, poderemos experimentar um salto de qualidade na vida da população.



CONCEITO

Denominamos de direito urbanístico o conjunto de normas que tem por objeto a organização dos espaços habitáveis, de modo a promover melhores condições de vida ao homem na comunidade. Esse ramo do direito trata da ocupação, uso e transformação do solo nos espaços urbanos.

A questão da ocupação dos espaços urbanos tem sido cada vez mais relevante para a qualidade de vida das pessoas, tendo em vista que a sociedade moderna caminhou para centralizar no Estado a coordenação e oferecimento de serviços de interesse coletivo, como saúde, segurança, educação, lazer, locomoção. Dessa forma, quanto mais pensada for a ocupação urbana, quanto maior preocupação em aplicar os princípios e técnicas urbanísticas já conhecidas, mais qualidade de vida terá a população.

O peso das decisões – ou da omissão em relação a elas – urbanísticas é muito maior em nosso cotidiano do que nos damos conta.

Há algumas décadas, pensava-se que o crescimento espacial da cidade era proveitoso e deveria ser incentivado. Hoje, no entanto, analisando os desdobramentos do crescimento espraiado das cidades, já se sabe que ele tem efeitos prejudiciais, pois obriga o poder público a prover de serviços grande diversidade de bairros, o que, na maioria das vezes não acontece, precipitando a população em situações até mesmo indignas, como a falta de escolas, creches, hospitais e postos de saúde, lazer e cultura, segurança, vias de tráfego adequadas ao fluxo de veículos, emprego próximas da residência das pessoas, o que obriga a deslocamentos infecientes e diários em busca do trabalho, da educação, do atendimento de saúde, de diversão etc. Isso, sem se falar na enorme pressão ambiental que a ocupação irrefletida da cidade traz, causando enxentes, deslizamentos, desmatamento, inadequada disposição do lixo, entre outras coisas.

Esse pensamento está tecnicamente ultrapassado e deve ser superado.

A questão urbanístico-ambiental é uma das mais importantes na atualidade e, em geral, muito mal conduzida pelos administradores públicos que, via de regra, se pautam pela lógica do interesse econômico de loteadores, que pressionam para a expansão territorial das cidades, criando demandas artificiais de moradia. Esse crescimento espraiado causa um duplo mal à cidade: estende desnecessariamente os limites da cidade, obrigando que se consumam recursos públicos de modo pouco inteligente para se fornecer serviços básicos às incipientes populações dos novos bairros, com a pressão ambiental já mencionada, e causa a degradação de áreas mais centrais ou antigas, que são abandonadas, gerando diversos problemas para a população, além de ser determinante dos vazios urbanos.

Por outro lado, a população desconhece seus direitos com relação ao urbanismo e sofre com a grande desinformação promovida pelos interesses da exploração imobiliária predatória. Muitas pessoas ainda pensam que loteamento é progresso, lógica já abandonada, pelos prejuízos que causa, há algumas décadas, em diversos países.

As práticas, cada vez mais comuns, da adoção dos chamados condomínios fechados, de um lado, e dos conjuntos habitacionais, de outro, é extremamente segregatória, incentivando uma separação social artificial que fomenta a desigualdade e faz recrudecer a criminalidade. Ambos são extremos que em nada contribuem para a harmonia social e a valorização do ser humano.

A competência para legislar sobre direito urbanístico, segundo os artigos 21, XX e 24, I, da Constituição da República, é concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal e os Municípios, que têm competência própria, nos termos do inciso VIII, do artigo 30 da carta constitucional. Portanto, esse é mais um caso em que as normas de hierarquia da legislação são aplicadas. O poder maior se ocupa de estabelecer diretrizes mais gerais, que vão sendo refinadas pelos poderes regionais e locais, de acordo com suas peculiaridades.

A POLÍTICA URBANA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA

O artigo 182 estabelece que a política de desenvolvimento urbano deva ser executada pelo poder público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, e tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

Para isso, o instrumento básico da política urbana no Brasil é o plano diretor, lei de iniciativa do prefeito municipal, que deve ser construída com a participação popular e aprovado pela Câmara Municipal.

A harmonia social nas cidades determina que a propriedade urbana cumpra sua função social, como toda propriedade (inciso XXIII, art. 5º). Nas cidades, isso acontece quando as propriedades atendem às exigências fundamentais de ordenação da cidade constantes do plano diretor.

Dentro do poder de polícia do Estado, é preciso registrar que a função urbanística é uma função pública e, por isso, os particulares não têm direito adquirido sobre qualquer circunstância do processo de urbanização, no qual deve sempre preponderar o interesse coletivo. É o poder público, ouvida a população, quem tem competência para dizer como a cidade vai acontecer e não o mercado. Nesse assunto, existe a exigência de aproveitamento do solo urbano. Exemplos claros desse fato são os instrumentos do parcelamento ou edificação compulsórios, o imposto predial progressivo e a desapropriação mencionados pela Constituição.

Outro instrumento eficaz para ordenar o espaço urbano, que se direciona mais especificamente para os vazios urbanos, é a usucapião especial. Usucapião é o instrumento jurídico que reconhece a aquisição de um bem, móvel ou imóvel, pelo seu uso contínuo e ininterrupto e pacífico, durante um tempo estabelecido por lei. A usucapião especial prevista no artigo 183 difere da usucapião prevista no artigo 1.240 do Código Civil. São requisitos para adquirir a propriedade de um imóvel urbano por meio da usucapião especial:

  • posse pacífica e ininterrupta do imóvel;

  • sem oposição do legítimo proprietário;

  • prazo de 5 anos;

  • imóvel esteja em área urbana;

  • imóvel que não exceda 250 m²;

  • imóvel tenha finalidade exclusivamente residencial;

  • imóvel particular;

  • interessado que não seja proprietário de nenhum outro imóvel;

  • reconhecimento judicial ou extrajudicial obtido pelo interessado;

  • unicidade de reconhecimento.

A CIDADE

Para que um agrupamento humano fixado num determinado território seja caracterizado como cidade, como centro urbano, devem ser avaliados a sua densidade demográfica, a diversidade de profissões urbanas que ali se encontrem, a existência de economia urbana permanente que mantém relações com meio rural e a existência de produção, consumo e direito próprios.

Mas o critério de avaliação varia de país para país, sendo que alguns levam em consideração apenas a questão demográfica quantitativa, outros consideram como preponderante a economia local e outros consideram a presença de um conjunto de subsistemas (administrativos, comerciais, industriais e socioculturais) e o diálogo entre eles.

É claro que onde existe multiplicidade de pessoas, negócios e sistemas, existem conflitos e a resolução dos conflitos de ocupação e ordenação do espaço urbano cabe ao direito.

No Brasil, o termo cidade é utilizado, inclusive em leis, para designar não apenas os espaços urbanificados, mas, também o município, como um todo, considerando-o como núcleo urbano composto de conjunto de subsistemas político, administrativo, econômico não-agrícola, familiar, simbólico e, em especial, a existência de um governo municipal e a presença de dois elementos característicos: unidades edilícias e equipamentos públicos.

Pelos padrões internacionais, um país é considerado um país urbanizado quando sua população urbana é maior que 50 %. Nesse aspecto, a evolução do Brasil seguiu os seguintes patamares: 1940 = 32%; 1960 = 45%; 1970 = 50%; 1980 = 70%; 2000 = 81%; 2010 = 84%.

O processo de urbanização no Brasil foi prematuro, caótico e desorganizado, iniciando-se a partir do final da década de 1940, com o êxodo rural, devido à má condição de vida no campo, à mecanização das lavouras em decorrência e à adoção de proteção legal aos trabalhadores urbanos, sem nenhuma preocupação com seus desdobramentos.

Isso gerou grande carência de habitações, desemprego, ausência de infraestrutura básica e deterioração ambiental, que resultaram no surgimento de cortiços e, mais tarde, na formação de aglomerados habitacionais precários e irregulares, ou seja, no processo de favelização das cidades.

Hoje esse processo se reproduz de maneira mais requintada com a proliferação de conjuntos habitacionais de baixa qualidade, com residências de plantas minúsculas, insuficientes para abrigar famílias com dignidade, terrenos extremamente reduzidos, moradias praticamente coladas umas às outras, sem espaço para o exercício da individualidade das famílias e melhorias no imóvel, sem equipamentos públicos suficientes, verdadeiros depósitos de pobre, promotores da segregação social e, o que é pior, financiados pelo poder público.

A correção do processo de urbanização deficiente do Brasil só será possível com a intervenção do poder público, que é quem detém, com exclusividade, a função urbanística. A esse processo de correção tem-se chamado de reurbanização. Mas, em geral, é um processo extremamente caro e complexo, dependendo de vontade política. Isso reforça a necessidade do cuidado no planejamento urbano, pois, uma vez instalada a ocupação desordenada ou as más decisões urbanísticas, muito tempo, esforço e recursos serão consumidos para alterar a situação no sentido do bem-estar da população. O urbanismo é a ciência interdisciplinar que se ocupa de aplicar as melhores técnicas na ordenação de espaços habitáveis, em busca do embelezamento e do bem-estar coletivo.

O embelezamento tem um duplo papel no urbanismo: trazer boas sensações ao coletivo da população (sentimento topofílico) e induzir a conservação dos espaços públicos.

Para tanto, além da vontade política e de verbas, é necessário que o poder público lance mão de legislação, planejamento, execução de obras públicas.

É preciso que o planejamento das cidades e a correção dos processos deficientes de urbanização tenham como objetivo máximo desenvolvimento harmônico das quatro funções urbanas elementares: habitação, trabalho, recreação (corpo e espírito) e circulação, aliando funcionalidade e estética, para que a organização dos espaços habitáveis aconteça visando à realização da qualidade de vida humana.

(Parte 2)


ATIVIDADE URBANÍSTICA E DIREITO URBANÍSTICO

Conforme já foi dito, a atividade urbanística é função pública que se faz, de um lado, com a participação dos cidadãos (gestão democrática da cidade) e, por outro, com a intervenção do poder público no interesse dos particulares (poder de polícia).

A atividade urbanística disciplina bens e atividades, impondo limites aos particulares e ao próprio poder público, que atua em duplo papel: como ordenador e como participante, buscando compor os interesses particulares e coletivos.

Toda a atividade urbanística se faz através do direito urbanístico, de matriz publicista, sendo um desdobramento do direito administrativo.

Adaptando o entendimento de Carceller Fernández, citado por José Afonso da Silva (Direito Urbanístico Brasileiro, 7. ed., São Paulo: Malheiros, 2012, p. 44-45), são princípios do direito urbanístico:

  • FUNÇÃO PÚBLICA – atuação é do poder público no meio social e no domínio privado, para ordenar a realidade no interesse coletivo;

  • LEGALIDADE – a lei deve ser o instrumento de limitação para o particular e a prescrição de ação para o poder público;

  • CONFORMAÇÃO DA PROPRIEDADE URBANA – a propriedade urbana deve estar em conformidade com a legislação urbanística;

  • COESÃO DINÂMICA DAS NORMAS – é preciso que toda a legislação que interfira e regule questões urbanísticas seja tratada de modo sistêmico e não isolado, para que a finalidade do bem-estar coletivo seja alcançada;

  • AFETAÇÃO DAS MAIS-VALIAS – os proprietários dos imóveis valorizados com a atuação urbanística do poder público devem suportar, proporcionalmente, os gastos com essas melhorias;

  • JUSTA DISTRIBUIÇÃO DOS BENEFÍCIOS E ÔNUS – todos devem contribuir para a urbanização e devem ter acesso às vantagens produzidas por ela, evitando-se a criação de necessidades artificiais, fruto de especulação imobiliária ou interesses isolados, do mesmo modo que aquele que obtém um benefício individual devido à atividade urbanística deve arcar com os desdobramentos negativos e neutralizá-los;

  • GESTÃO DEMOCRÁTICA – os processos de urbanização e a construção de seus instrumentos legais têm sua eficácia vinculada à participação efetiva da comunidade a qual se destinam.

O principal instrumento jurídico de caráter urbanista no Brasil é a lei nº 10.257/2001, denominada Estatuto da Cidade, que estabelece normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. Seu objetivo ordenar pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade. Nela estão estabelecidas as diretrizes gerais da política urbana no Brasil.

Em razão de experiências negativas do passado, hoje se considera, inclusive legalmente, que, em matéria de urbanismo, o mais eficiente a ser feito é o planejamento urbanístico. O planejamento envolve um diagnóstico de problemas a serem corrigidos ou evitados, o que envolve o acesso a amplas informações de caráter técnico-científico, sócioeconômico, cultural, demográfico, geográfico, geológico, ambiental, político etc., o correspondente estabelecimento de metas com a projeção de futuro e dos impactos, a elaboração de legislação eficaz, a dotação orçamentária necessária para a aplicação dos instrumentos que concretizarão o planejamento.

Tudo isso deve ser pensado tendo em mente que é muito mais simples, em matéria de urbanismo, ter ações planejadas do que realizar intervenções corretivas posteriores.

As cidades planejadas não são maioria no mundo, mas existem desde a antiguidade, entre povos da Turquia e da Grécia, por exemplo, sendo também encontradas em povos mais recentes, como os maias, os incas e os astecas, até exemplos mais próximos de nós no tempo, como as cidades de Londres, Paris, Washington e Brasília.

Nesse contexto, o planejamento urbanístico no direito tem sido usado como instrumento corretivo, para transformar a realidade negativa das cidades brasileiras, sendo entendido como imperativo para o poder público e indicativo para o particular.

O planejamento urbanístico pode ter caráter geral ou especial, como planejamento preparador, de coordenação, ou particularizados, de reurbanização ou de edificação. No entanto, é um instrumento abstrato, porque as propostas nele contidas não operam transformação da realidade até que resulte num plano, ou seja, até que se transforme em lei, para dar conformação e concretude às propostas de intervenção.

Para atuar urbanisticamente, o Estado conta com grande variedade de instrumentos da política urbana, que deve usar de modo coordenado, a saber:

I – planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;

II – planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões;

III – planejamento municipal;

IV – institutos tributários e financeiros;

V – institutos jurídicos e políticos;

VI – estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV).

Voltados para o planejamento municipal, são aplicáveis os seguintes instrumentos de política urbana:

a) plano diretor;

b) disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo;

c) zoneamento ambiental;

d) plano plurianual;

e) diretrizes orçamentárias e orçamento anual;

f) gestão orçamentária participativa;

g) planos, programas e projetos setoriais;

h) planos de desenvolvimento econômico e social.

É necessário, ainda, que o poder público trabalhe com os institutos tributários e financeiros, como o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU, a contribuição de melhoria e os incentivos e benefícios fiscais e financeiros.

Mas é nos instrumentos jurídicos e políticos da política urbana que o administrador e a população têm ampla possibilidade de ação, podendo contar com grande variedade de recursos, como se vê abaixo:

  1. desapropriação;

  2. servidão administrativa;

  3. limitações administrativas;

  4. tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano;

  5. instituição de unidades de conservação;

  6. instituição de zonas especiais de interesse social;

  7. concessão de direito real de uso;

  8. concessão de uso especial para fins de moradia;

  9. parcelamento, edificação ou utilização compulsórios;

  10. usucapião especial de imóvel urbano;

  11. direito de superfície;

  12. direito de preempção;

  13. referendo popular e plebiscito; ; gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos;

  14. transferência do direito de construir;

  15. operações urbanas consorciadas;

  16. regularização fundiária;

  17. assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos;

  18. referendo popular e plebiscito;

  19. demarcação urbanística para fins de regularização fundiária;

  20. legitimação de posse.

Como mencionado, os planos urbanísticos podem ser federais, estaduais e municipais. Os planos federais podem ter alcance nacional, estabelecendo diretrizes gerais, contemplar macrorregiões geoeconômicas ou setoriais, dizendo respeito a setores determinados, como viação, meio ambiente, turismo etc.

Os planos estaduais, por sua vez, também podem ser gerais para ordenação do território do Estado ou setoriais.

Porém, da maior importância são os planos municipais, que podem ser microrregionais, abrangendo determinadas regiões administrativas do Estado, gerais, como o plano diretor do município, parciais como o de zoneamento, alinhamento ou melhoramento ou especiais como os que disciplinam um distrito industrial, núcleos residenciais, de recreio, obras de grande porte, patrimônio histórico etc.

PLANO DIRETOR MUNICIPAL

Em matéria de planos urbanísticos, a posição de destaque é do plano diretor municipal, pois é a sua expressão fundamental, sendo dotado de caráter normativo específico, pois se estabelece por meio de uma lei específica. O processo de elaboração do plano diretor se inicia com o prefeito mandando elaborar o projeto, de grande carga técnica, com acompanhamento efetivo da população. É um texto de construção demorada. Fechado esse texto com aprovação da população, o prefeito deve enviá-lo para a Câmara Municipal que vai debatê-lo e aprová-lo.

Nesse ponto, é importante frisar que o legislativo não tem competência para fazer emendas ou alterações no texto que impliquem em descaracterização do plano ou de algum aspecto nele tratado. Em situações assim, caso não haja acatamento do legislativo, cabe-lhe promover novas audiências públicas, com alcance eficaz e não apenas formal da população e dos setores representados, ou devolver o texto ao Executivo, com suas justificativas, para que o prefeito, retomando o processo de construção, ouça novamente a população a respeito das questões apontadas pelo legislativo.

Isso se deve ao fato de que, se o legislativo tivesse ampla liberdade de dispor do texto a seu critério, o processo de acompanhamento popular seria burlado e frustrado, vez que todas as discussões feitas pela população e setores representados da sociedade, poderiam ser desconsideradas pelos vereadores, o que afronta a determinação do parágrafo 4º do artigo 40 do Estatuto da Cidade.

É o plano diretor que impõe limites ao uso da propriedade e ao exercício de atividades, sempre considerando como valor máximo o bem-estar social e desenvolvimento racional e ordenado.

Para isso, antes de tudo, é preciso ter exato domínio da realidade do município naquele momento, através de estudos que levantem um diagnóstico científico de todas as realidades da cidade: física (geológica, relevo, clima, vegetação, localização etc.), cultural, social, econômica, política, administrativa, ambiental, educacional, de segurança etc. Esse diagnóstico deve ser valer, o quanto seja possível de estudos primários, utilizando levantamentos secundários apenas nos casos em que seja inevitável, para evitar distorções.

Com esses levantamentos, identificados os problemas atuais e futuros e discutidos com a população, passa-se à proposição de medidas corretivas, devendo ser levadas em conta sua viabilidade, oportunidade e conveniência, para novas discussões com a população.

É claro que o plano diretor deve prever medidas de integração das áreas urbana e rural e estar atento ao respeito aos planos regional, estadual e federal.

Todo esse longo processo de construção do plano diretor só tem validade jurídica se a participação democrática foi efetiva e não apenas formal.

Além da proposição de medidas para corrigir os problemas encontrados e evitarem-se problemas futuros, o plano deve deixar bem claro quais serão as limitações impostas e os objetivos do plano, além de estabelecer quais são as ações necessárias a sua implementação, a quais agentes públicos serão atribuídas e quais os prazos que os agentes terão para efetivar as ações a seu cargo.

O Estatuto da Cidade determina os municípios que deverão elaborar plano diretor, com revisão decenal, sendo os municípios que se encontrem em uma das situações abaixo:

I – mais de vinte mil habitantes;

II – integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas;

III - utilização dos instrumentos do parcelamento ou edificação compulsórios; IPTU progressivo ou desapropriação;

IV – áreas de especial interesse turístico;

V – área de significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional;

VI – integrante do cadastro nacional de Municípios com áreas suscetíveis à deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos.

A falta de plano diretor nos municípios que estão obrigados a fazê-lo implica em crime de responsabilidade do prefeito (decreto-lei nº 201/1967, art. 1º, XIV) e improbidade administrativa (lei nº 10.257/2001, art. 52, VII) por parte do chefe do Executivo municipal.

Algumas questões urbanísticas podem exigir detalhamento em leis específicas, como no caso de ampliação do perímetro urbano, do zoneamento do solo e outras situações.

INSTRUMENTOS DE CONTROLE

Estando o plano diretor em vigência e as demais leis que lhe são correlatas, é dever do poder público assegurar a observância das normas pelos particulares e por órgãos e entidades do próprio poder público municipal, estadual ou federal.

Para tanto, ele dispõe de mecanismos de controle, que será feito em três momentos.

O controle prévio deve ser feito antes da atuação do interessado, mediante os instrumentos da aprovação, autorização e licença.

O controle concomitante será exercido durante a atuação do interessado, por meio de inspeção, comunicação e fiscalização.

O controle sucessivo ocorrerá depois da atuação do interessado, por meio de vistoria e habite-se.

A aprovação é pressuposto de autorizações e licenças. É aplicável a projetos de construção ou planos de loteamento. O pedido de aprovação inicia o processo que resultará ou não na concordância do poder público com o interesse particular ou público envolvido. Assim, o interessado deve apresentar ao Município o projeto da construção ou o plano de parcelamento assinado por técnico habilitado. Nessa fase, cabe ao poder público apenas verificar se o projeto ou plano estão elaborados em conformidade com as diretrizes legais e técnicas. Em caso positivo, é dada a aprovação, para que o interessado dê sequência ao pedido de licença ou autorização. Licença e autorização são instrumentos distintos, aplicáveis a situações distintas, com efeitos distintos. Embora ambas se materializem em um mesmo tipo de documento, denominado alvará, não se confundem. Mas ambas são de iniciativa do interessado, a quem cabe requerê-las. Vejamos.

Seguindo adiante, aquele que obteve aprovação de projeto de construção, deverá requerer a licença necessária ao início da obra. Aquele que obteve aprovação no plano de loteamento deverá requerer autorização antes de iniciar as obras de parcelamento.

Para facilitar a compreensão:

  • TIPO DE INSTRUMENTO – Licença e Autorização;

  • EFEITO – Licença: Definitivo; Autorização: Precário;

  • DIREITO SUBJETIVO DO INTERESSADO – Licença: Sim. Autorização: Não

  • ATENDIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS – Licença: Ato vinculado, se cumpridos requisitos, obriga a concessão; Autorização: ato discricionário, autoridade vai avaliar e justificar oportunidade e conveniência para a coletividade para deferir ou indeferir;

  • REVOGABILIDADE – Licença: só em caso de irregularidade ou nulidade na concessão; Autorização: a qualquer tempo a autoridade pode retirar o consentimento se empreendimento ou atividade se mostrarem inconvenientes ou inoportunos (às vezes, mediante indenização).

Desse modo, é fácil entender que para a construção de um prédio qualquer, basta que o interessado tenha cumprido todos os requisitos previstos nas normas municipais, ambientais e de vizinhança, que, provando essa circunstância, o poder público fica obrigado a reconhecer seu direito subjetivo de construir, através do alvará de licença. A licença tem caráter definitivo, gera direito adquirido e só pode ser revogada mediante a comprovação de irregularidade ou nulidade em sua concessão. Isso se deve ao fato que a construção de determinado prédio não é função pública urbanística. Usa-se a licença também para a demolição ou reconstrução de prédios.

De outra forma acontece com os planos de loteamento ou exercício de atividade no município, porque estão dentro da função pública urbanística de regulação do espaço urbano e, quando exercidas por particulares não perdem esse caráter. Então, a pretensão de parcelar o solo não é direito subjetivo de ninguém. Por isso, não basta a comprovação formal de que o interessado apresentou todos os documentos solicitados para que o poder público o autorize a parcelar o solo ou a exercer determinada atividade, porque cabe a análise da oportunidade e conveniência, do ponto de vista coletivo, do bem comum, para a autorização. A autorização é sempre dada a título precário, não gera direito adquirido e, por isso, pode ser revogada a qualquer tempo se o empreendimento ou atividade se mostrar ou se tornar inconveniente ou inoportuna. É liberalidade da administração. Usa-se autorização, ainda, para os casos de afixação de anúncios, rebaixamento de guias e calçadas, abertura de canaleta de escoamento de águas pluviais, instalação de andaimes ou tapumes sobre calçadas.

A licença se concede no interesse do particular. A autorização se concede no interesse coletivo.

Feita tal diferenciação, fica mais fácil perceber a inadequação do termo licenciamento ambiental, tendo em vista que a natureza dessa permissão é de autorização e não de licença.

A inspeção, comunicação e fiscalização acontecem durante a obra ou atividade, para acompanhar se a obra está seguindo o projeto e a lei, assim como se a atividade está nos limites do seu alvará e da legislação. O agente responsável poderá fazer alguma exigência para adequação, por meio do comunique-se e lavrar termo de fiscalização.

A vistoria e o habite-se são os instrumentos finais de controle. Concluída a obra, o interessado solicita a vistoria para que seja comprovado o cumprimento de todas as exigências, documentando no termo de vistoria. Sendo positiva a vistoria, será expedido o habite-se, atestando a idoneidade da reforma ou obra para o uso a que se destina, podendo, a partir de então, ser utilizada.

A proteção da legalidade urbanística, frente a infrações cometidas – inobservância do alvará ou da lei-, se faz por meio de sanções administrativas em forma de multa, interdição de atividade, embargo de obra ou demolição compulsória.


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