NOÇÕES SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL
INTRODUÇÃO
Conforme já antecipamos, um único ato de degradação ambiental pode ter consequências em três esferas distintas: administrativa, penal – se o fato estiver configurado como crime na lei nº 9.605/98 – e civil. Isso está em sintonia com o princípio da responsabilidade que foi exposto, quando falamos a respeito dos princípios de direito ambiental.
A responsabilidade civil é um campo bastante amplo dentro do direito civil, altamente especializado e bem desenvolvido.
Veremos algumas noções gerais sobre o assunto e, na sequência, veremos algumas peculiaridades sobre a reparação civil do dano ambiental.
DANO
A responsabilidade civil vai trabalhar sempre com a noção de dano, por isso é importante compreendê-la.
Dano é o prejuízo causado a alguém pela deterioração ou inutilização de bens seus. O dano pode ser configurado nas seguintes situações: perda, destruição, diminuição de utilidade, capacidade ou função, ofensa, deterioração, inutilização, estrago, defeito.
Todas essas situações configuram lesão a bem juridicamente protegido. Esse bem pode ser uma propriedade material (bem móvel ou imóvel), a incolumidade física e psicológica de pessoa ou mesmo uma propriedade imaterial. Por isso, na esfera civil, dano pode ser material ou moral.
O dano material é também chamado de dano real ou dano patrimonial e é caracterizado pelo dano em coisa corpórea ou incorpórea - ofensa à pessoa ou coisa – com reflexo no patrimônio da pessoa. Isso significa que existe consequência direta ou indireta do dano sobre o patrimônio, ou seja, ele fica diminuído em razão da destruição ou perda do bem ou de avarias que precisarão ser consertadas ou de ferimentos que precisarão ser curados, implicando em despesas e gastos que a pessoa não teria se não tivesse sofrido o dano.
A reparação do dano material se faz mediante o ressarcimento do valor do bem ou das despesas suportadas para fazer voltar a situação ao estado anterior. Para isso, é preciso que a vítima demonstre qual foi, efetiva e especificamente, o seu prejuízo financeiro, atribuindo-lhe o valor correspondente, de modo comprovado.
Já o dano moral, também chamado imaterial ou extrapatrimonial não tem consequências sobre o patrimônio da pessoa, atingindo a sua integridade psicológica ou a imagem de alguém; não reflete na situação econômica daquele que foi lesado.
O dano moral se caracteriza com o sofrimento psíquico ou alteração da imagem ou autoimagem da pessoa, que lhe traz dor psicológica. No caso da pessoa jurídica, é o impacto negativo, o abalo, em sua reputação ou imagem pública. A reparação do dano moral se faz mediante compensação financeira, na forma de indenização, já que não é possível reparar, consertar o sofrimento psicológico ou o abalo na reputação.
RESPONSABILIDADE CIVIL
É um princípio jurídico geral que quem causa o dano deve repará-lo (art. 927, Código Civil).
Isso acontece porque quem causa um dano a outra pessoa, seja de modo intencional (doloso) ou de modo não intencional (culposo), descumpre um dever geral de cautela de portar-se de modo a não causar prejuízos a quem quer que seja, de modo injustificado.
As pessoas, físicas ou jurídicas, são sujeitos de direito, ou seja, têm capacidade para assumir direitos e deveres. Desse modo, quando praticam algum ato que lance consequências negativas ao patrimônio ou à vida de outras pessoas, devem reparar (restaurar, consertar, recuperar, recobrar, restabelecer) o distúrbio causado.
A responsabilidade civil surge como efeito de um descumprimento contratual ou de um ato ilícito, sempre que ocorrer um dano a alguém em razão da ação ou omissão de outrem. Normalmente, por isso, a responsabilidade civil, quanto a sua origem, é dividida em contratual e aquiliana: contratual, quando se origina no descumprimento de contrato, e aquiliana, em razão da prática de um ato ilícito, contrário à lei.
Assim, todo ato que causar prejuízo injustificado a outrem é considerado um ato ilícito, fonte de obrigação de reparar o dano.
Na esfera civil isso acontece mediante o pagamento de indenizações. Ou seja, aquele que causa um dano deve responder por ele perante a vítima. Responder está, justamente, dentro da noção de responsabilidade. E essa responsabilidade é sempre pessoal: cada um responde por seus atos, ou seja, uma pessoa não pode arcar com os ônus da ação ou omissão de outra. Essa é a regra.
Vejamos o teor do art. 186 do Código Civil:
“Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
No art. 187, o Código ainda estende a caracterização do ato como ilícito no caso de alguém que, sendo titular de um direito, ao exercê-lo, se excede, ultrapassando os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. É o abuso de direito.
Há, no entanto, duas exceções legais para atos que, ainda que venham a causar danos a outros, não constituem atos ilícitos:
I – aqueles praticados em legítima defesa ou no exercício regular de direito;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente, somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
Vejamos.
A legítima defesa é caracterizada como a ação que tem por finalidade repelir agressão injusta, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando os meios necessários. (art. 23, II, e art. 25, Código Penal). Assim, se alguém, injustamente agredido, usa de força e causa dano ao agressor no ato de defender-se, não estará agindo de modo ilícito.
Mas, é preciso atenção: nos termos do art. 187 acima citado, se há excesso na legítima defesa, o agente responde pelo excesso, ou seja, ao repelir uma agressão, a pessoa deve agir de modo suficiente, com os meios que tenha, para paralisar o agressor, apenas. Um exemplo: Se alguém está na iminência de ser agredido injustamente, tem uma arma de fogo e efetua um disparo que acerta o pé do agressor que vinha em sua direção com uma pá em posição de ataque, e o agressor cai, sem condição de continuar o ato, o agredido, se efetua mais disparos e descarregar a arma, alvejando o agressor em várias partes do corpo, responderá por esse excesso, de acordo com o que ficar caracterizado: lesão corporal ou homicídio. É claro que tudo é caso a caso, pois no calor do momento não se pode exigir extrema frieza e clareza da vítima. Mas, o excesso, se ficar caracterizado, é punível.
No entanto, a discrepância entre as armas – uma pá e uma arma de fogo – não vai entrar em questão, se o único meio eficaz de que a vítima dispunha era a arma de fogo. No entanto, se tem uma arma de fogo e um canhão, ambos com a mesma disponibilidade de uso, opta pelo canhão, se excede e vai responder.
O exercício regular de direito se caracteriza como o ato praticado na esfera de um direito legalmente previsto, um ato facultado por lei, dentro dos limites previstos. O exemplo clássico usado pela doutrina de direito penal é o do médico cirurgião que, embora corte a pele e outros tecidos da pessoa para operá-la, não comete lesão corporal, pois é um ato legítimo, necessário e legal, dentro do seu direito de exercício profissional. Mas, se a pessoa se excede na forma como exerce o seu direito, de forma culposa ou dolosa, responderá pelo excesso. Imagine na mesma situação, o cirurgião que “picota” a pessoa toda para encontrar o órgão que precisa ser operado...
Como citamos, a regra é que a responsabilidade seja sempre pessoal. Mas, existem algumas exceções, dentro da responsabilidade civil, em que a lei prevê que, embora seja uma pessoa que tenha causado o dano, outra é que será responsável por repará-lo.
De acordo com o art. 932 do Código Civil, são elas:
I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;
II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;
IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;
V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.
Outra noção extremamente importante sobre responsabilidade civil quando se fala em dano ambiental é a classificação da responsabilidade como subjetiva ou objetiva.
A regra é a responsabilidade subjetiva, ou seja, aquela que se liga à conduta do sujeito, por isso, baseada na culpa ou dolo. Para que alguém que se entenda prejudicado por outra pessoa, física ou jurídica, tenha direito a ver o dano reparado, geralmente, por indenização, é necessário que prove em juízo a presença de quatro elementos:
a ação ou omissão do agente,
a culpa do agente,
o dano sofrido e sua extensão e
o nexo causal, a ligação entre o dano e a ação ou omissão do agente.
O primeiro elemento diz respeito à conduta do agente, ou seja, o ato lesivo em si ou a omissão que poderia ter evitado do dano. É preciso que o agente a ser responsabilizado pelos prejuízos tenha agido de forma a causar o dano ou, em devendo agir para evitar o dano, não o fez, foi omisso. Essas noções serão muito importantes a respeito do dano ambiental, pois várias pessoas podem concorrer para que uma ação degradadora se implemente. Vamos esclarecer isso com um exemplo:
O gerente de uma construtora que dá ordem para derrubar várias árvores nativas em determinado terreno sem ter a autorização legal (licenciamento) para isso, o motorista da retroescavadeira que cumpre a ordem, os demais empregados que estavam presentes e nada fizeram. Pois bem, nesse caso, na esfera civil, quem vai responder pelo dano ambiental: o gerente, o motorista, os outros empregados ou todos eles, pois houve ação da parte de alguns e omissão da parte de outros? Resposta: nenhum deles. A responsável é a construtora, pessoa jurídica, a serviço de quem estavam todos eles (art. 932, III, CC). Os empregados agem em nome do empregador. Por isso é tão importante selecionar bem e treinar bem os colaboradores. Seus atos trazem a responsabilidade para o empregador (que poderá ou não, dependendo das circunstâncias, descontar os prejuízos dos empregados; mas isso é outra história, afeta ao direito do trabalho. Se a ordem partiu do titular da empresa, por exemplo, ele não poderá cobrar o prejuízo de seus subalternos, é claro). Mas, guardem bem esse exemplo, porque ele será retomado quando falarmos sobre a responsabilidade penal por dano ambiental.
Indo a diante, falando da culpa, existem três modalidades de culpa: a imprudência, a imperícia e a negligência.
A imprudência deriva da conduta positiva ou comissiva (ação) do agente que ignora todos os cuidados básicos e corriqueiros em dada situação e acaba dando causa ao dano, em conduta omissiva, como quando alguém administra um remédio vencido, em más condições de armazenamento, contrariando o bom senso, e, em decorrência disso, quem consumiu o medicamento sofre um mal súbito. Ou quem passa no sinal vermelho ou excede a velocidade permitida, contrariando não só a legislação de trânsito, mas toda a recomendação da prudência, e causa acidente automobilístico ou atropela um pedestre.
A imperícia é tida como a falta de habilidade ou inaptidão técnica no exercício de uma profissão ou atividade. Se, no exercício profissional, deixar-se de observar alguma regra técnica específica, o agente incorrerá em imperícia qualificada. É o caso do engenheiro eletricista que prescreve o uso de disjuntores de baixa carga quando o prédio vai ser ocupado com atividade que usará altas cargas elétricas, dando causa a um incêndio, por exemplo.
A negligência, como o próprio termo mostra, decorre da omissão do agente, que deixou de tomar cuidados preventivos. Um exemplo seria o responsável pela fiscalização de obra civil liberá-la sem ter feito criteriosa vistoria e, em decorrência disso, o uso causar a morte de alguém.
Além disso, há o dolo, ou seja, a conduta que tem a deliberada intenção de causar o dano ou prejuízo a outrem, que é, por óbvio, também punível.
O dano é o prejuízo sofrido: mata derrubada, o automóvel amassado, os ferimentos no pedestre. Tudo precisa ser provado, ou seja, no caso do pedestre, quais partes do corpo foram afetadas e como, quais as restrições de normalidade que sofreu ou continua sofrendo. Além disso, qual o prejuízo financeiro com os tratamentos, medicamentos, terapias etc., ou seja, deve apresentar os recibos ou notas fiscais dos gastos.
E, por último, deve existir uma ligação clara e direta entre o ato ou omissão e o dano causado: o nexo causal. Isso é importante porque o prejuízo deve decorrer diretamente da ação ou omissão do agente. Digamos que alguém, numa briga, cause ferimentos a outrem. A ambulância é chamada para levar a vítima ao hospital. No caminho, um motorista bêbado fura o sinal vermelho, a ambulância capota e o paciente que estava sendo socorrido morre em virtude de ter fraturado o crânio no acidente. Não há nexo causal entre a agressão física da briga e a morte da vítima. É necessário que exista esse limite, caso contrário, os desdobramentos seriam imprevisíveis.
Tudo isso está na esfera da chamada responsabilidade subjetiva.
Mas, aperfeiçoando o instituto da responsabilidade civil, surgiu também a responsabilidade objetiva, porque, ao longo do tempo se percebeu que havia casos em que não era possível estabelecer a culpa do eventual responsável.
Na responsabilidade objetiva, para que a vítima obtenha o direito de reparação do dano sofrido, não precisa ser provada a culpa do agente, bastando a comprovação da ação ou omissão, o dano e a ligação ou nexo entre eles.
No entanto, a responsabilidade objetiva é a exceção da regra e, por isso, é preciso que exista uma previsão legal estabelecendo que, em dada situação, a responsabilidade é objetiva. Um exemplo: o Estado é objetivamente responsável pelos danos causados por seus agentes, pois existe previsão na lei: art. 37 da Constituição da República, que adotou a teoria do risco administrativo. Isso significa que alguém que sofra um prejuízo causado por um agente estatal não precisa provar que o servidor agiu com dolo ou culpa, apenas que ele agiu (ou se omitiu) e isso causou o dano.
É importante entender essa noção de responsabilidade objetiva, a que ocorre mesmo sem culpa, desde que prevista em lei, porque a responsabilidade por dano ambiental é objetiva.
RECAPITULANDO OS ELEMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Para bem esclarecer essas questões, dada sua importância, reforçamos: para que alguém possa ser obrigado a reparar os prejuízos que tenha causado a outrem, é preciso que a vítima prove a existência dos quatro elementos caracterizador
es da responsabilidade civil: a ação ou omissão; a culpa ou o dolo; o dano e o nexo causal.
O prejuízo pode ser causado porque a pessoa agiu de determinada forma (ação) ou, ao contrário, porque a pessoa deixou de agir quando deveria ter agido (omissão). A culpa deve estar caracterizada em uma das três modalidades citadas acima. Sendo um ato doloso, essa circunstância também deve ser provada. O prejuízo em si também precisa ser provado, assim como o valor financeiro equivalente. E, por último, é preciso que a vítima demonstre que o prejuízo é uma decorrência direta da ação ou omissão do agente. Se um desses elementos não ficar demonstrado, provado, descaracteriza-se a responsabilidade do agente.
Essa é a regra geral, da responsabilidade subjetiva.
E, nas situações em que a lei prevê que a responsabilidade é objetiva, a vítima deve provar, igualmente, a ação ou omissão do agente, o dano e a ligação entre o ato ou omissão e o dano, mas não precisa provar culpa ou dolo.
Nesses casos a responsabilidade estará prevista em lei, como foi dito (outra situação legal de responsabilidade objetiva: parágrafo único do art. 927 do Código Civil: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”). São exemplos de responsabilidade objetiva em matéria ambiental o § 3º, do art. 225, CR, e o § 1º, art. 14, da lei nº 6.938/81.
DANO AMBIENTAL
Tudo aquilo que cause degradação da qualidade ambiental ou traga efeitos nocivos à saúde das pessoas é caracterizado como dano ambiental. Para que ele seja reparado, basta provar o fato, o dano e o nexo causal entre eles, pois, como acabamos de ver, a responsabilidade ambiental é objetiva.
O dano ambiental atinge a coletividade, podendo estar na esfera do dano difuso, coletivo ou individual homogêneo. Essa é outra noção muito importante em matéria de responsabilidade civil, denominada de direitos coletivos (lato sensu). Vamos a ela.
Um dano ou direito difuso é aquele considerado transindividual, ou seja, que ultrapassa a individualidade de uma única pessoa. Ele tem natureza indivisível e se estende a pessoas indeterminadas, ligadas por circunstâncias de fato. Para facilitar o entendimento: o direito a respirar um ar puro, o direito a um meio ambiente equilibrado, à qualidade de vida, à propaganda verdadeira; tudo isso pertence a todos indistintamente, enquanto gênero humano. Não têm valor apenas para dada parcela da coletividade ou para indivíduos específicos.
Os danos ou direitos chamados coletivos (stricto sensu), também são transindividuais, têm igualmente natureza indivisível, mas titularizado por um grupo de pessoas (determináveis, ainda que em número muito grande), ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Exemplos: contribuintes, membros de determinada categoria ou classe profissional, grupo com alguma ligação jurídica.
Já os danos ou direitos individuais homogêneos são aqueles decorrentes de origem comum, como as vítimas de um mesmo ato ou evento, mas que experimentam prejuízos individuais semelhantes, podendo, no entanto, agir coletivamente para pedir a reparação dos danos. Isso pode acontecer, por exemplo, no caso de contaminação de águas ou solo de determinada região, situação em que os proprietários de imóveis localizados ali não conseguem vendê-los e se juntam em um único processo para serem indenizados pelo causador da contaminação, mas cada um terá direito a um valor diferente, dependendo das características de seu imóvel.
Em relação ao dano ambiental, desde logo se percebe a sua complexidade, que explica a dificuldade de um mercado de seguro ambiental, que mencionamos quando vimos os instrumentos da PNMA. É que o dano ambiental, além de ser passível, teoricamente, de consequências em três esferas jurídicas diferentes, como mencionamos, ou seja, administrativa, cível e penal, ainda poderá ensejar reparações coletivas sobrepostas. Um ato de degradação pode causar, ao mesmo tempo, danos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Vamos a um exemplo:
Determinada indústria química deixa vazar substância contaminante, ocorrendo degradação do ar, do solo e do lençol freático. Há um dano difuso aí, pois não se sabe quem seriam as pessoas que respirariam o ar contaminado ou que beberiam água contaminada, pois o lençol freático se comunica com um ribeirão que passa pela cidade e a contaminação pode atingir outras regiões. Então, o Ministério Público, como representante da coletividade, pode processar a indústria para que a mesma tome medidas descontaminantes as mais efetivas possíveis e, para compensar aquilo que não é possível reverter, que ela invista na construção e manutenção de um centro de educação ambiental para o município. Mas, a contaminação foi noticiada nos jornais de todo o país e os investimentos na cidade caíram abruptamente. Eis o dano coletivo aos moradores da cidade, ou seja, todos os que são moradores sofrem um abalo porque existe medo em frequentar a cidade e com investimentos caindo, a arrecadação do município cai e há menos verbas para atender as necessidades daquela população. Assim, também pode haver um processo pelo dano causado àquela coletividade como um todo. E, por último, os proprietários de casas, terrenos, chácaras etc. na faixa comprovadamente contaminada veem os preços de seus imóveis despencarem brutalmente: eis o dano individual homogêneo.
Então, as ações e indenizações, em muitos casos, serão sobrepostas.
É impossível para as companhias seguradoras fazerem esse cálculo, por isso a dificuldade de encontrar seguradoras que façam apólices por danos ambientais.
Essa situação exposta acima é de ser seriamente considerada por todos os profissionais que laboram na área de meio ambiente ou em atividades potencialmente degradadoras. Pois esse desdobramento pode atingir níveis devastadores para as empresas. Cabe ao profissional mostrar isso. Em matéria de dano ambiental, costumo sempre dizer: a gente sabe onde começa, mas não sabe onde vai parar...
E por falar em recomposição, tratando-se de dano ambiental, ela deve, preferencialmente se dar por meio de reparação, ou seja, que o degradador seja condenado a praticar todos os atos necessários a fazer voltar as condições anteriores à degradação (regresso ao statu quo ante): se desmatou, deve reflorestar; se contaminou, deve descontaminar; se poluiu, deve despoluir. A compensação, caracterizada por indenização, que é a regra na responsabilidade civil comum, no campo ambiental deve ser utilizada apenas em caráter supletivo, quando não for possível a reparação, porque, em matéria de ambiente, o interesse é ter o meio recuperado e não angariar recursos financeiros com a degradação. A compensação também será usada em caso de danos individuais homogêneos por dano ambiental, como vimos acima.
Falemos da legitimidade passiva pelo dano ambiental, ou seja, quem está obrigado a reparar o dano ambiental?
A responsabilidade ambiental alcança a todos aqueles que cometerem ilícito civil ambiental:
pessoas físicas
pessoas jurídicas de qualquer natureza, sejam:
públicas (União, Estados, Distrito Federal, Municípios e entes da administração pública indireta) ou
privadas (associações, empresas, cooperativas, entidades privadas).
As eventuais multas ou reparação em dinheiro relativas a danos difusos ou coletivos, nos termos expostos acima, serão encaminhadas para um fundo especial, nos termos do art. 13, lei da ação civil pública (7.347/85), de acordo com a dimensão territorial do dano (local, estadual ou federal).
Lembro que, pelas peculiaridades do dano ambiental, que pode tomar características difusas, coletivas e individuais homogêneas ao mesmo tempo, é possível haver a sobreposição de indenizações.
É preciso, ainda, mencionar a legitimidade ativa para as ações ambientais, ou seja, quem tem o direito de processar o degradador, quem tem direito de ação contra ele. Esse direito é titularizado pelas pessoas físicas e jurídicas diretamente atingidas (direitos individuais homogêneos), bem como, no caso de direitos coletivos e difusos, por associações especializadas (ONGs) com mais de um ano de existência e pelo Ministério Público Federal ou Estadual.
E, para encerrar, resta registrar a competência judiciária, ou seja, qual juízo irá julgar o caso ambiental. A competência judiciária ambiental está ligada também à questão territorial do dano: como regra, a ação de reparação civil de dano ambiental pode ser proposta no local do ato degradador, mas também no território atingido pelo dano. Assim, se o dano é:
Local – Justiça Estadual na Comarca da cidade atingida;
Regional (mais de um município atingido) – Justiça Estadual na Capital do Estado;
Mais de um Estado – Distrito Federal.
Se houver interesse da União envolvido (art. 109, CR), como autora ou ré, a competência é da Justiça Federal.