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  • Foto do escritorWilges Bruscato

NFDEP - DIREITO PROCESSUAL (TEXTO 11)


DIREITO PROCESSUAL

INTRODUÇÃO

Até agora, vimos que o Direito é um só: o elemento social que busca a harmonia e a paz social. Como as sociedades são dinâmicas e diversas, com as pessoas exercendo vários papéis sociais ao mesmo tempo, na família, no trabalho, na escola, no consumo, no trânsito, nas cidades etc., o Direito está presente em todas as áreas da vida humana e vai se subdividindo para efeitos didáticos e também de especialização, para ser mais ajustado à matéria que regula. Daí os vários ramos do Direito que vimos até agora. Todos eles são ramos do que chamamos Direito Material, ou seja, as regras abstratas que criam e regulam as relações de direito.

No entanto, quando as pessoas não seguem voluntariamente o que está posto no Direito Material, é preciso que sua força de coerção, de obrigatoriedade seja imposta para preservar a paz social.

Mas, as pessoas não podem impor seus direitos umas às outras pela força. Então, é preciso que isso seja feito por uma figura de autoridade e de uma forma predefinida. Essa figura de autoridade é o Poder Judiciário, uma das funções do Estado, como vimos.

Quando alguém resiste a um direito de outra pessoa, surge um conflito, uma lide, que deve ser levada ao Judiciário para que seja resolvido, através de uma ação judicial, de um processo.

Para resolver os conflitos que sejam levados ao seu julgamento, o Judiciário usa regras fixas, determinadas e conhecidas. Seria muito confuso – e injusto - se cada um fosse ao Judiciário de um jeito, que o Judiciário não tivesse uma estrutura definida e que se aplicassem prazos e regras de aceitação de casos e desenvolvimento dos processos conforme a cara do freguês. Ao conjunto de regras que regulam a forma de organizar o Judiciário e de se resolver judicialmente os conflitos damos o nome de Direito Processual.

Nem sempre foi assim. O direito processual não era uma área autônoma do direito, mas, mera forma de colocar em ação o direito material. Com o passar do tempo, as técnicas jurídicas na solução de conflitos foram se aprimorando e aperfeiçoando tanto que passaram a ser vistas de maneira autônoma do direito material.

CONCEITO

Direito Processual é o ramo do direito público que cuida do processo, isto é, da técnica de resolução de conflitos de direitos e da organização da justiça. Nosso Código Penal estabelece, no art. 345, que é crime “fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite.” Com isso, cria-se quase um monopólio estatal a cargo do Poder Judiciário na atividade de dizer o direito (jurisdição), ou seja, com que está a razão num caso concreto. Essa é a atividade típica desse Poder. Quase um monopólio porque o Brasil reconhece para casos entre pessoas maiores e capazes sobre direitos disponíveis a utilização da arbitragem e da mediação (leis nº 9.307/1996 e 13.140/2015). A primeira alternativa é uma jurisdição privada e não estatal; a segunda pode ser usada em juízo ou extrajudicialmente.

Como todo e qualquer processo, o processo judicial também é o encadeamento de uma série de atos com finalidade determinada. Um processo judicial acontece por meio de procedimentos pré-determinados em lei, para dar uniformidade e justiça no conhecimento dos conflitos.

O Poder Judiciário é, no entanto, inerte, ou seja, só entra em ação se for provocado, se aquela pessoa que teve um direito desrespeitado levar o seu caso ao conhecimento do Judiciário. Para isso, é necessário, na grande maioria das vezes, um advogado, que é indispensável à administração da justiça, nos termos do art. 133 da Constituição da República.

Como a justiça é administrada por seres humanos e seres humanos são falíveis, é um princípio do direito processual o duplo grau de jurisdição, ou seja, aquele que foi vencido num processo tem direito, se desejar, de obter uma segunda apreciação, feita, em geral, por um órgão colegiado, o tribunal, que tem jurisdição estadual. Ao direito de reapreciação do caso por uma instância superior chamamos direito de recurso. Quem preside os processos e profere as decisões, chamadas sentenças, em primeiro grau de jurisdição é o juiz. Os juízes que compõem o tribunal são chamados de desembargadores e proferem um acórdão. Depois da decisão de segundo grau, do tribunal, se a parte vencida entende que houve violação da legislação federal ou até da Constituição, pode recorrer para uma instância especial, acima dos tribunais, chamada de instância superior, como o STJ (Superior Tribunal de Justiça), ou o TST (Tribunal Superior do Trabalho) ou o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), por exemplo, e, em caso de violação constitucional, ao STF (Supremo Tribunal Federal). Os juízes que atuam nos tribunais superiores são chamados de ministros.

IMPORTÂNCIA

A importância do direito processual está no fato de encaminhar todos os conflitos para que sejam resolvidos por um poder estatal dedicado exclusivamente a isso.

No passado, as pessoas podiam impor a justiça de uma lei com suas próprias forças. Todos nós já ouvimos falar da Lei de Talião, lei do olho por olho, dente por dente. Antes disso, a vingança pessoal era permitida. Naquele tempo (1780 a.C., Babilônia), a repressão das injustiças passou a se dar pela reciprocidade do injustiçado de pagar ao ofensor na mesma moeda. Pode parecer ruim agora, mas, à época, foi um avanço, considerando que, antes, não havia limite para a vingança pessoal. Com a lei de talião, pelo menos, se buscava garantir que a vingança seria limitada à reciprocidade.

Mas, com o avanço das organizações sociais, aos poucos, foi-se percebendo que mesmo essa limitação não era conveniente, porque podia haver excessos ou retaliações do ofensor e o conflito não se encerrava e o controle do Estado era frágil.

Dessa forma, os Estados foram retirando das mãos das pessoas o direito de impor penas ou de obrigar alguém a cumprir um dever legal e centralizando essa atividade em sua própria autoridade.

Com isso, a importância de se ter regras claras e conhecidas sobre a forma de resolução dos conflitos pelo Estado cresceu, sendo fundamental para manter a credibilidade no próprio Direito como instituição social capaz de assegurar a convivência pacífica e harmônica entre as pessoas.

Hoje, o direito processual se sofisticou muito, mas ainda encontra limites e dificuldades para assegurar a paz social.

PRINCÍPIOS BASILARES

A medida da sofisticação do direito processual pode ser dada pela quantidade de princípios que o fundamentam.

Existe no Brasil, atualmente, uma tendência a constitucionalizar o direito processual, posto que muitos de seus princípios foram inscritos na Constituição da República, no rol das garantias individuais.

Seguem aqui alguns dos princípios mais básicos do direito processual:

  • Princípio da imparcialidade do juiz – O juiz deve se conduzir sem parcialidades para qualquer das partes; essa é uma garantia de justiça.

  • Princípio da isonomia - A igualdade das partes não é absoluta, mas, relativa. As peculiaridades de estado ou condição da parte devem ser levadas em consideração (“tratar igualmente aos iguais e desigualmente aos desiguais na medida de sua desigualdade”).

  • Princípios do contraditório e ampla defesa – todos os atos processuais das partes e do juiz devem ser de conhecimento recíproco e deve ser aberta a cada um a oportunidade de demonstrar sua versão dos fatos, por qualquer meio admitido em direito. O desrespeito a eles pode anular atos ou o processo.

  • Princípio da ação – todos têm direito de levar sua pretensão ao Judiciário, por meio de uma ação, provocando a atividade jurisdicional do Estado.

  • Princípios da disponibilidade - as partes têm podem ou não exercer seu direito de ação.

  • Identidade física do juiz – a ação deve ser conduzida, preferencialmente, por um mesmo juiz, desde seu início até a sentença.

  • Princípio do impulso processual – Afora a ação e citado o réu, o juiz deve dar continuidade ao processo até o esgotamento da função jurisdicional.

  • Princípio da livre convicção - O juiz forma livremente sua convicção sobre quem tem razão no processo, com base nas provas constantes dos autos.

  • Princípio da motivação das decisões judiciais - As decisões judiciais devem ser fundamentadas em base objetiva. Livre convicção e motivação das decisões se complementam.

  • Princípio da publicidade – todos os processos, seus atos e termos são públicos, salvo exceções legais de segredo de justiça.

  • Princípio da lealdade processual – as partes devem se conduzir no processo de forma leal.

  • Princípio da economia - Os atos processuais devem ser praticados da forma mais econômica possível.

  • Princípio da instrumentalidade das formas – as formas processuais não são finalidades em si mesmas e não podem se sobrepor ao direito das partes.

  • Princípio do duplo grau de jurisdição – baseia-se na falibilidade humana e garante que o processo seja analisado por mais de um órgão do Judiciário, caso a parte não tenha seu direito satisfeito.

RAMIFICAÇÕES E LIGAÇÕES CONSTITUCIONAIS

Como o direito está presente em diversos setores da vida, também o direito processual se adaptou e se especializou para resolver conflitos em diferentes ambientes. Dessa forma, o direito processual se subdivide, sendo seus principais ramos o direito processual civil, penal, penal militar, trabalhista, administrativo, eleitoral.

O direito processual civil é o ramo do direito processual que regula todo conflito de interesse que não tenha caráter criminal, nem aqueles regulados por leis especiais (trabalhista, eleitoral, administrativo) aplicando as normas materiais de direito civil, comercial, do consumidor etc. Seu principal instrumento é o Código de Processo Civil (lei nº 13.105/2015).

O direito processual penal regula a aplicação da jurisdição ao direito penal material, punindo crimes. O direito processual penal militar vai ser utilizado na persecução de crimes cometidos por integrantes das Forças Armadas e das Forças Auxiliares, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares. No Brasil, além dos Códigos de Processo Penal (decreto-lei nº 3.689/1941) e de Processo Penal Militar (decreto-lei nº 1.002/1969), temos a Lei de Execução Penal (lei nº 7.210/1984), que trata do cumprimento das penas pelos condenados.

O direito processual trabalhista é usado para regular a jurisdição dos conflitos de interesse ocorridos nas relações de emprego ou em razão delas. Parte da regulação do processo do trabalho está na CLT, Consolidação das Leis do Trabalho (arts. 643 a 910), mas a Justiça do Trabalho também usa o Código de Processo Civil (chamado processo comum), nos casos em que a CLT é omissa.

O direito processual administrativo é utilizado para regular o registro dos atos da Administração Pública, o controle dos administrados e dos servidores, o exercício do poder de polícia, a apuração de infrações administrativas e a outorgar direitos a terceiros. A principal lei nesse assunto é a lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito federal e serve de modelo para as outras esferas.

O direito processual eleitoral regula e organiza eleições, disciplinando as etapas de votação, totalização e divulgação dos resultados, bem como o cadastro eleitoral, as candidaturas, as prestação de contas, a logística eleitoral e a fase posterior às eleições, até a diplomação dos eleitos. Sua principal lei é o Código Eleitoral (lei nº 4.737/1965), mas há outras leis importantes e que interferem no processo eleitoral.

Com a Constituição de 1988, muitos princípios processuais, garantidores dos direitos individuais, foram levados para o texto constitucional, como os que estão abaixo relacionados:

  • Devido processo legal – a forma de solução de conflitos deve ser prévia e conhecida, com todos os seus atos previstos em lei. A não observância do devido processo legal acarreta nulidade do processo.

  • Proibição de prova ilícita – provas obtidas por meios ilícitos devem ser desconsideradas no julgamento do caso.

  • Segurança jurídica – busca conferir estabilidade ao direito, protegendo não só o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, mas também as legítimas expectativas das pessoas diante de uma legislação, para não frustar sua programação de vida feita com base nas leis.

  • Celeridade – está ligada às ideias de economia, segurança e efetividade jurídicas, determinando que os processos devam correr num prazo adequado e útil.

  • Efetividade – determina que o julgador se preocupe com os resultados práticos da demanda, para que ela atinja a finalidade a que se destina, ou seja, garantir que a pretensão vencedora se concretize na vida real.

Além desses, alguns princípios já conhecidos no direito processual ganharam status de garantia constitucional, como o da igualdade de tratamento, do contraditório, da ampla defesa, da publicidade, do direito de ação, do duplo grau de jurisdição, do juiz natural e da motivação das decisões, já apresentados acima.

É importante ter ciência de duas coisas, quando alguém tem um direito violado e deseja que o Judiciário lhe dê razão e obrigue a parte vencida a cumpri-lo. A primeira é que não basta ter o direito: é necessário prová-lo em juízo (“o que ganha demanda é prova”). Provado o direito, ainda que a decisão judicial seja favorável, é preciso que ela tenha suficiente força de coerção sobre o vencido, o que, nem sempre acontece, por vários motivos, criando a situação de ganhar mas não levar cada vez, infelizmente, mais comum na atualidade.


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