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  • Foto do escritorWilges Bruscato

AMBIENTAL - TEXTO 3: PRINCÍPIOS DE DIREITO AMBIENTAL

Atualizado: 21 de abr. de 2021


PRINCÍPIOS DE DIREITO AMBIENTAL



INTRODUÇÃO



Como tivemos oportunidade de ver em noções gerais de direito, o direito se compõe não só de leis, embora elas sejam uma parte importante e a mais conhecida manifestação do direito: o chamado direito positivo.


Mas, atuando paralelamente ao direito positivo, existe o que se convenciona chamar de direito natural, que opera mesmo que não seja posto de maneira formal por uma autoridade legislativa. O direito natural atua, preponderantemente, por meio dos princípios jurídicos.


Em qualquer área do conhecimento, princípios são diretrizes essenciais, baseadas em fatos reconhecidos, e que direcionam toda construção de leis e normas. No direito, os fatos que dão origem aos princípios são os valores. Valores humanos, morais e éticos. Dessa forma, os princípios jurídicos são a expressão de valores humanos fundamentais.


Em direito, trabalhamos com princípios gerais e com princípios setoriais. Portanto, os princípios integram o direito. Em geral, como mencionamos, os princípios jurídicos são preceitos de conduta não-escritos, embora exista, na atualidade, uma certa tendência de positivar, de colocar nas leis, os princípios. Além de estabelecerem padrões de conduta, são também diretrizes para a formulação da legislação.


Como exemplo de princípios gerais positivados na nossa Constituição da República, podemos citar o princípio da legalidade, princípio da igualdade, princípio da liberdade de expressão, princípio da inviolabilidade, princípio da livre iniciativa, todos previstos como direitos fundamentais, ou seja, direitos básicos, importantes para manter a segurança e certeza jurídicas das pessoas. Esses direitos são cláusulas pétreas na Constituição, ou seja, imutáveis. Portanto, mesmo que haja alteração da Constituição, as cláusulas pétreas não podem ser modificadas ou excluídas. Existem muitos princípios, mas vejamos alguns aspectos de cada um desses princípios constitucionais.



PRINCÍPIO DA LEGALIDADE



O princípio da legalidade (art. 5º, II, CR), prescreve que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.


Para o particular, no campo do direito privado, isso significa que o que não é proibido é permitido. Para o agente público, esse princípio tomará uma conotação diversa, que veremos mais adiante em nosso curso.


Pelo princípio da legalidade, se não houver regra prevista pela autoridade competente para uma determinada situação, as pessoas podem praticar quaisquer atos, do modo como melhor lhes convier, no momento que melhor lhes convier, com quem preferirem, sem interferência estatal no seu proceder.


No entanto, como não existe direito absoluto, é claro que, mesmo que não haja lei pondo limites a alguma ação humana, os excessos que causem prejuízo a outros serão puníveis, no que chamamos de abuso de direito.


Mas, havendo lei – ou outro tipo de norma, como decretos, decretos-lei, portarias, instrução normativa etc. – para determinada situação – e quase sempre há – todos devemos agir e nos portar nos seus limites.



PRINCÍPIO DA IGUALDADE


O princípio da igualdade (art. 5º, caput,CR) estabelece que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

No entanto, essa igualdade não se refere a uma igualdade material, mas, sim, a uma igualdade formal, porque, em alguns casos, a própria lei desiguala as pessoas. Por isso a aplicação do princípio da igualdade está ligada a outro princípio denominado princípio da isonomia, que determina que deve ser dado “tratamento igual aos iguais e tratamento desigual aos desiguais, na medida de sua desigualdade”.


Para que possamos compreender melhor essa noção de isonomia de tratamento, vamos pensar, por exemplo, em ações afirmativas, ou seja, ações que, justificadas em dada condição ou fato, excepcionam o tratamento desigual a determinadas pessoas para favorecê-las frente ao restante da população, por determinado tempo, até que se superem tais condições ou fatos e as medidas excepcionais deixem de ser necessárias.


As ações afirmativas, portanto, devem sempre ter prazo determinado, ainda que longo, às vezes, por décadas. Exemplos disso são as cotas para negros em universidades e para os egressos do ensino público. Outro exemplo de tratamento desigual justificado é o conferido às pessoas de terceira idade, ou seja, com mais de sessenta anos, que devem ter atendimento preferencial e prioritário. Nesse caso, essa ação é permanente, porque sempre teremos pessoas nessa faixa de idade.


É importante notar que: é preciso existir uma justificativa para a implantação do tratamento diferenciado, que essa exceção deve estar prevista em lei e que, para todos os demais atos e situações da vida, os beneficiários desse tratamento diferenciado terão o mesmo tratamento que todos os demais, ou seja, a permissão de certos favorecimentos legais só vai valer para a situação de fragilidade reconhecida; para tudo o mais, a lei é aplicada de forma igualitária.



PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO



O princípio da liberdade de expressão (art. 5º, IX, CR) determina que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.


Por isso, via de regra, podemos nos expressar livremente. Porém, é preciso lembrar o que foi dito sobre o princípio da legalidade: pode haver limites à nossa liberdade de expressão se ela violar direitos de outros, se nos excedermos, como no caso, por exemplo, dos crimes de calúnia, injúria e difamação, previstos no Código Penal ou do dano moral, previsto no Código Civil.


O simples relatos de fatos, por exemplo, ainda que desagradáveis aos seus autores, não configura, em regra, nenhuma irregularidade ou excesso na liberdade de expressão.



PRINCÍPIO DA INVIOLABILIDADE



O princípio da inviolabilidade (art. 5º, X, XI E XII, CR) se insere em três dimensões diferentes da nossa vida. Primeiro, a inviolabilidade da pessoa, que vai confrontar também com o princípio da liberdade de expressão, como acabamos de mencionar: “X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”


Na sequência, a inviolabilidade de domicílio: “XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.” Percebe-se que há, portanto limites a essa inviolabilidade, porque não existe direito absoluto.


E, por último, existe a previsão da inviolabilidade de nossas comunicações: “XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.



PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA



O princípio da livre iniciativa (art. 5º, XIII, CR) assegura que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.


Portanto, a todos é lícito ganhar o seu sustento, da forma que melhor lhe convier, desde que atendidos os limites legais estabelecidos para isso. No caso do direito ambiental, nossa área de estudo mais direta nesse curso, o princípio da livre iniciativa é o que mais intensamente vai atritar com os princípios de direito ambiental que veremos em seguida.



APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS



Muito bem. Vimos que existem muitos e muitos princípios de direito, gerais e setoriais (ligados a cada ramo do direito).


Havendo tantos princípios, é claro que, nos casos concretos, em algum momento, haverá conflito de aplicação desses princípios, pois haverá mais de um aplicável à situação que podem estar em sentido contrário.


Por isso, para evitar os conflitos ou como forma de solucionar os conflitos de princípios foram desenvolvidas formas de solucionar esses impasses. E adivinhem qual foi a técnica usada? Princípios! O princípio da ponderação e o princípio da integração de princípios.


No caso do princípio da ponderação, é preciso ter em mente que ele está além da aplicação do simples bom senso, a razoabilidade, a proporcionalidade, a adequação ou mesmo decidir com consciência. Há toda uma formulação analítica desenvolvida, na qual entram, certamente, a razoabilidade, a proporcionalidade e a adequação, como fatores de análise e não mera referência justificativa. É um método de interpretação para buscar-se a supremacia de um princípio sobre outro na busca do justo.


O princípio da integração vai buscar em elementos muitas vezes externos, como a analogia e a equidade, a maneira de melhor aplicar os princípios jurídicos a um caso concreto.


São ambas teorias bastante complexas. De toda forma, o que nos interessa, é que havendo um conflito entre dois ou mais princípios aplicáveis a uma mesma situação, deve-se considerar que deve prevalecer aquele que apresente maior peso relativo aos demais em face da situação analisada, ou seja, aquele que seja capaz de garantir o resultado esperado para o qual a norma foi feita, para que ela cumpra sua missão funcional, em uma lógica sistêmica.



PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL



Os princípios de direito ambiental, buscam tornar concreta a proteção e conservação eficiente do meio ambiente e a qualidade de vida, bem como dar harmonia ao sistema de proteção ambiental.


Como o direito ambiental é uma disciplina nova, recente, sua principiologia ainda está em formação. Mas já há alguns fatos ou valores que estão bem constatados e sedimentados e, por isso, os princípios que os expressam são aceitos e eles são mencionados pela maioria dos estudiosos da área, ainda que com nomenclatura diferente, algumas vezes, como, por exemplo, princípio do direito humano fundamental, princípio democrático ou da participação ou da publicidade, que, às vezes, é referido como princípio da informação, princípio da sustentabilidade, princípio da solidariedade intergeracional ou da intervenção mínima etc.


Há outros, no entanto, que estão propostos por alguns doutrinadores, sendo por eles citados, mas estando ausentes em outras obras, como o princípio da ubiquidade, citado por Celso Pacheco Fiorillo ou princípio da onipresença, citado por mim.


Optamos por mencionar todos os princípios encontrados em nossa pesquisa, para dar uma visão panorâmica do tema.


Vamos a eles.



PRINCÍPIO DO DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL



O meio ambiente saudável e equilibrado é direito difuso, pertencente a todos, e como a saúde e o bem-estar humanos estão indissoluvelmente ligados às condições do ambiente em que habita, ele é colocado como direito humano fundamental, consagrado nos Princípios 1 e 2 da Declaração de Estolcomo (1972) e reafirmado na Declaração do Rio (1992).


Esses textos nada mais fazem do que reconhecer o óbvio: que o meio ambiente é essencial ao bem-estar e à vida humana e esse é considerado o seu aspecto mais relevante. Nesse ponto, fazemos uma pequena digressão em direção do que sustentamos no texto anterior, sobre o interesse central da proteção ambiental estar situado no caráter antropocêntrico: esses textos internacionais confirmam isso, na medida em que reconhecem que o aspecto mais relevante do ambiente equilibrado e saudável é sustentar a vida humana.



PRINCÍPIO DA DIGNIDADE AMBIENTAL



De certa forma, esse princípio se mescla com o anterior, tendo em vista que como direito humano fundamental, o meio ambiente saudável e equilibrado é condição não só para a existência humana, mas para a existência humana digna.


A dignidade da pessoa humana está ligada à possibilidade de levar uma vida cujas condições de existência respeitem as potencialidades humanas, ontológicas, e não lhe sejam degradantes.


Um meio ambiente degradado impõe degradação às espécies que nele habitam, em especial, ao ser humano, reforçando condições desfavoráveis de vida.


Portanto, esse direito deve ser garantido igualmente a todos, devendo o acesso aos recursos naturais ser equitativo, o que vem sendo denominado de justiça ambiental. Por acesso equitativo entende-se que aqueles que, comprovadamente, necessitem de acesso a maiores quantidades ou de formas determinadas de recursos naturais, devem poder obtê-los. Porém, se o imperativo da justiça ambiental garante a distribuição equitativa de benefícios, por certo, impõe, também, a distribuição equitativa dos malefícios.


Por isso, aquele que usa mais, deve ter mais responsabilidade na recomposição do equilíbrio, o que vai se ligar com o princípio do usuário-pagador, bem como do poluidor-pagador e o da responsabilidade ambiental, como veremos adiante.



PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO OU DA PARTICIPAÇÃO (art. 225, CR)



Como o meio ambiente equilibrado é bem de uso comum do povo, o dever de preservação ambiental é da coletividade também. O cidadão não é apenas destinatário, mas é também partícipe na promoção desse direito.


Para isso, existem diversos modos previstos nas leis e normas ambientais de participação do cidadão nas decisões e ações de caráter protetivo ao ambiente, a começar do processo de elaboração de leis, seja em âmbito federal, estadual ou municipal, no qual o cidadão tem o dever de opinar.


Além disso, a Política Nacional de Meio Ambiente, que veremos adiante, criou um grande sistema encarregado de centralizar dados e dar diretrizes, traçando limites às ações de pessoas, empresas e governos, o SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente, que prevê a participação paritária em seus diversos órgãos, ou seja, a sociedade civil deve neles estar representada. Dessa forma, se uma pessoa deseja ter voz mais atuante nesse campo, deve ligar-se a órgãos e entidades ambientalistas e poderá ter a chance de participar de Conselhos de Meio Ambiente, por exemplo.


Outra forma bastante eficaz de fazer ouvir os interesses da população nas questões ambientais é a participação em audiências públicas, mecanismos de consulta popular. É preciso que as pessoas se articulem e informem, em ONGs ou mesmo Movimentos Sociais, sem personalidade jurídica, mas de representatividade popular, para participar com eficiência de tais eventos. A falta de realização de audiência pública, nos casos previstos em lei, ou sua realização irregular, acarretam a nulidade da decisão tomada, obrigando os órgãos estatais responsáveis e empresas a voltarem atrás e refazerem o processo com lisura e transparência. Um grupo de 50 (cinquenta) pessoas é suficiente para requerer realização de audiência pública em matéria ambiental e órgão responsável será obrigado a promovê-la, sob as expensas do interessado em explorar ou modificar a destinação de algum recurso ambiental, mesmo em questões urbanísticas.


Além disso, todo cidadão pode denunciar ações de desrespeito ou degradação ambiental para os órgãos do SISNAMA, podendo, inclusive se valer de meios jurisdicionais para isso, como a ação popular. As ONGs ambientalistas estão legitimadas a promover ação civil pública para defesa ambiental e das populações atingidas.


Um recurso bastante interessante é o direito de representação que toda pessoa tem ao Ministério Público, órgão responsável por promover a justiça no país. Quando alguém se depara com um desrespeito ambiental pode levar isso ao conhecimento do Promotor de Justiça e ele ficará obrigado a instaurar um procedimento, ainda que superficial, de investigação, podendo usar também o inquérito civil e a ação civil pública. Do desatendimento injustificado da representação cabe recurso ao Conselho do Ministério Público.


O exercício pleno de tais princípios depende, em boa medida, dos princípios a seguir.



PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO OU DA PUBLICIDADE



Esses princípios se ligam ao princípio da participação ou democrático que acabamos de ver, como mencionado. Para que a população possa exercer seus direitos de representação é pressuposto que tenha acesso à informação. Esses princípios já estavam presentes no direito administrativo, como regra geral, previstos, inclusive, constitucionalmente (art. 37, CR).


Para conferir concretude aos princípios da informação e da publicidade, foi elaborada a lei nº 12.527/2011, chamada lei da informação, que prevê o direito a todo cidadão de ter acesso a informações de posse dos poderes públicos. Essa lei foi regulamentada pelo decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012.


Mas, há exemplos específicos na legislação de caráter ambiental, como o art. 215 e 225, VI da CR, a lei dos Agrotóxicos (nº 7.802/1989), a lei de Recursos Hídricos (nº 9.433/1997) etc.


Para participar eficientemente, é preciso conhecer e ter acesso a dados e informações.



PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE



Um dos princípios mais importantes em matéria ambiental é o da responsabilidade, pois ele atribui ao degradador o dever de arcar com os custos da recuperação da área degradada, a recomposição dos prejuízos causados às populações, pessoas, empresas ou governos.


Esse princípio vem espelhado no parágrafo 3º do art. 225, CR, que estabelece que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”


O art. 14 da lei nº 6.938/81 (Lei da Política Nacional de Meio Ambiente-PNMA) estabelece que “sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores” a diversas penalidades e seu parágrafo 1º ainda diz que além das penalidades que o degradador venha a sofrer, ele é “obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.”


Portanto, o princípio da responsabilidade ambiental prevê, concomitantemente, a reparação dos danos causados e mais a imposição de pena pelo desrespeito à legislação ambiental.


Importante registrar que se trata de responsabilidade objetiva, ou seja, independentemente de culpa, noção que veremos em mais detalhes mais à frente no curso.


Também é importante saber que o desrespeito às normas ambientais podem sujeitar os responsáveis a sanções de caráter civil, penal e administrativo, o que também veremos com mais detalhes adiante.


Sobre a responsabilidade ambiental, há um aspecto que deve ser destacado: a solidariedade do Estado. Solidariedade em direito, diferente do significado comum de compaixão pelo próximo, tem o sentido de compartilhamento de obrigações decorrentes de um ato, contrato, lei, de tal forma que sujeitos distintos podem ser obrigados a arcar com as responsabilidades decorrentes. Para ficar mais fácil o entendimento da noção jurídica de solidariedade (que, por sua vez, tem acepções diversas), vamos recorrer ao exemplo de uma pessoa que contrai uma dívida, comprando uma casa e o vendedor, para se proteger de um possível calote (juridicamente entendido como inadimplemento), exige que ele apresente um fiador, ou seja, um garantidor do pagamento: se o comprador não pagar, o vendedor poderá cobrar também do fiador. Então entre o comprador e o fiador se forma um vínculo de solidariedade jurídica, ou seja, ambos são responsáveis pelo cumprimento da obrigação. Muito bem. Entendida a noção de solidariedade, vamos a outra, também essencial em nosso assunto: o poder de polícia do Estado.


Conforme vimos no início de nossos estudos, a formação de um Estado pressupõe a reunião de três elementos: povo, território e poder. O poder é entendido como a organização político-administrativa desse povo no seu território, formando uma estrutura de governo. Para que esse governo possa estabelecer as demais regras e aplicá-las, cobrando-a do povo, é preciso que ele esteja investido de autoridade. Por isso passamos também pela noção de soberania, lembram-se? Vale a pena voltar e reler esse texto se você se esqueceu dessas noções.


Pois bem, para que o governo faça valer as regras em prol da harmonia social, deve ter o poder de impor comportamentos de acordo com a lei a todos, mesmo contra a vontade das pessoas, obrigando-as a agir de determinadas formas ou de abster-se da prática de algumas ações. A esse poder dado ao Estado de intervir na liberdade individual chamamos genericamente de poder de polícia. No Brasil, o único ente dotado de poder de polícia é o Estado, nas suas mais variadas manifestações e órgãos.


Só os agentes estatais, nos limites de suas atribuições e de acordo com as leis, podem impor restrições às pessoas. Isso é exclusividade do Estado. Pois bem: entendidas as noções de solidariedade jurídica e poder de polícia, voltemos à responsabilidade ambiental.


Conforme já foi dito quando falamos do princípio democrático ou da participação, o caput do art. 225 da CR, reparte entre o Poder Público e os particulares o dever de zelar e proteger o equilíbrio ambiental (“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações).


No entanto, embora essa responsabilidade seja repartida, apenas o Estado, como já mencionamos, é dotado de poder de polícia para obrigar que as coisas se passem de determinada maneira, como previsto em lei. É por isso que cabe aos órgãos governamentais autorizar ou não uma obra, por exemplo, que vai degradar o ambiente e estabelecer as condições em que ela poderá ser feita. O particular não tem esse poder. Vimos que ele pode representar às autoridades ambientais e fazer denúncias, mas não tem poder de impor condutas a ninguém. Isso só o Estado pode fazer. Portanto, esse poder exclusivo do Estado cria-lhe um dever, na verdade. Por isso é comum ouvir a expressão poder-dever do Estado, como ficará evidente nos princípios do limite e da intervenção estatal que veremos a seguir.


Feita essa digressão, voltemos à solidariedade do Estado por danos ambientais. Considerando que só o Estado tem o poder de autorizar e coibir ações ambientais degradantes, quando não o faz eficientemente, cria para si um dever de solidariedade. Sempre que há uma ação de degradação, o Estado é corresponsável por ela, pois, centralizando em suas mãos o poder de agir, não o fazendo de modo eficiente, assume o risco da ocorrência do dano, devendo responder por ele, caso os degradadores não tenham bens ou meios suficientes para suportar os custos da reparação.



PRINCÍPIO DO USUÁRIO-PAGADOR



Mencionamos a noção de justiça ambiental, que decorre do princípio da dignidade ambiental. De acordo com isso, quem usa o recurso ambiental, deve pagar por ele. Esse princípio foi idealizado como uma forma de compensação pela permissão especial que se confere a alguém que precise de recursos em larga escala de utilizá-los (distribuição equitativa, lembram-se?).


Como ficaria a situação de determinadas indústrias ou de um agricultor se eles tivessem permissão para utilizar a mesma quantidade média de água utilizada em residências? Suas atividades estariam condenadas à inviabilidade. É certo que há um interesse social em que empresas e agricultores exerçam suas atividades, porque a sociedade precisa de tais produtos e por isso se fala em distribuição equitativa, para atender ao interesse social envolvido.


Porém, é certo, também, que essa utilização em larga escala é feita com a finalidade de gerar riqueza e lucro para os titulares de tais empresas. Ou seja, fica evidente o proveito particular do patrimônio coletivo (“bem de uso comum do povo”, segundo a Constituição, lembram-se?).


Por esse motivo, como o seu potencial de degradação e utilização se dá em benefício próprio exclusivo, é preciso pagar por isso, com o pagamento revertendo para a própria sociedade.


Esse princípio aparece na parte final do inciso VII do art. 4º da lei da PNMA, quando prevê a contribuição do usuário pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.


Um exemplo está no art. 36 da lei nº 9.985/2000 (Lei que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC), que determina que, em caso de empreendimentos de significativo impacto ambiental, o empreendedor é obrigado a apoiar financeiramente a implantação e manutenção de unidade de conservação.


Outro exemplo da aplicação prática desse princípio está no art. 19 da lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH-lei nº 9.433/1997): A cobrança pelo uso de recursos hídricos objetiva reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor; incentivar a racionalização do uso da água e obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções previstos nos planos de recursos hídricos. Essa cobrança se faz por meio de um instrumento denominado outorga de direito de uso de recursos hídricos previsto como um dos instrumentos da PNRH (art. 5º, III), popularmente conhecido como outorga de água. O pedido de outorga deve ser feito junto ao órgão competente, de acordo com o domínio dos corpos d’água dos quais se pretenda utilizar a água: se for da União, deverá ser requerido perante a Agência Nacional de Águas – ANA (art. 4º, IV, lei nº 9.984/2000); se for de domínio de um Estado da Federação, do órgão estadual competente. No sítio eletrônico da Agência Nacional de Águas há instruções e esclarecimentos bem simplificados de como proceder para obter a outorga.



PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR



Alguns autores entendem que o princípio do usuário-pagador decorre deste princípio do poluidor-pagador. Seja como for, ambos não se confundem e são utilizados em situações distintas. Enquanto o usuário-pagador, como visto, é aplicado nos casos em que alguém use recursos naturais em grande quantidade com finalidade econômica e deva, em razão disso, uma retribuição financeira, o princípio do poluidor-pagador é aplicado nos casos de degradação ambiental, ou seja, da diminuição da qualidade ou quantidade do recurso ambiental; sua aplicação depende, portanto, da existência de prejuízos ou danos de ordem ambiental.


Talvez esse entendimento se dê em virtude das duas situações estarem previstas no mesmo dispositivo legal, o inciso VII do art. 4º, da lei nº 6.938/1981 (PNMA), como objetivos da Política Nacional: “Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará: VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e ao usuário, de contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.”


O princípio do poluidor-pagador está ligado à noção de responsabilidade ambiental, que já expusemos quando falamos do princípio da responsabilidade ambiental. Porém, a característica especial do poluidor-pagador é a habitualidade com que degrada.


No princípio da responsabilidade ambiental, qualquer um, em qualquer situação eventual de degradação, é alcançado e deve recompor os prejuízos ambientais ocorridos, como punição pelo seu ato degradador. No princípio do poluidor-pagador aquele que exerce atividade ou obra que cause danos ambientais deve retribuir à sociedade pelos prejuízos que causa.


É útil destacar que a própria lei tem um conceito para poluidor, que está no inciso IV do art. 3º, da lei 6.938/81 (PNMA): “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente por atividade causadora de degradação ambiental.”


É muito importante perceber que não se trata de uma “autorização” para poluir, no sentido de que não se pode poluir, mas, pagando, pode, ou seja, ligado à ideia de compensação; não se trata disso.


O princípio do poluidor-pagador atua como um mecanismo de indução às boas práticas àqueles que vão exercer atividades que rotineiramente vão causar poluição e degradação.


Vamos imaginar uma determinada indústria que lance agentes poluentes no ar; isso vai acontecer todos os dias, ininterruptamente, pois é um efeito da atividade de produção exercida pela indústria. Nesse caso, o poluidor deve ser taxado pelos poluentes que produz e libera no ar, trabalhando com um conceito denominado extrafiscalidade. A ideia é que, para evitar essa taxação, que representa sempre um custo extra, podendo retirar competitividade dessa indústria, porque seus preços terão que levar em consideração essa despesa, sendo repassados, é claro, para os consumidores, os titulares decidam por implantar processos de produção menos degradantes, investindo em pesquisas ou adotando soluções já existentes, como a instalação de filtros nas chaminés, que neutralizariam esse efeito indesejado e prejudicial e racionalizam seus custos de produção, podendo trabalhar com preços mais competitivos. Quando isso acontece, ele deixa de ser taxado porque cessou o motivo da taxação: a poluição.


A vantagem para as empresas é evidente: trocam um custo permanente por um custo pontual. E para o meio ambiente e a população, é claro, é a concretização dos objetivos de manter e melhorar a qualidade ambiental, de modo efetivo: cessa a degradação.


O princípio do poluidor-pagador trabalha com uma noção já bastante conhecida no direito de empresa que é a externalização de custos de produção, ou seja, as situações em que o empresário busca maximizar seu lucro transferindo para outros alguns custos de sua atividade.


No caso específico da poluição, ele polui e degrada e deixa que o governo ou a comunidade de entorno se responsabilize e custeie a recomposição ambiental. É claro que isso não é correto, tendo em vista que o risco da atividade é do empresário, não podendo ser transferido a outros. Daí, que o que o princípio do poluidor-pagador busca é internalizar esses custos da degradação, induzindo o empresário a solucionar o problema, o que, no fundo, é a única coisa efetiva a se fazer, é o interesse maior da proteção ambiental.


Ainda que os recursos arrecadados através desse mecanismo sejam utilizados em ações de recuperação, melhoria ou educação ambiental, o direito ambiental trabalha proponderantemente com a prevenção, por isso, é preferível criar condições para que a degradação não ocorra, ao invés de reparar seus efeitos.


Essa é outra diferença entre esse princípio e o princípio da responsabilidade ambiental. No o princípio da responsabilidade ambiental trabalha-se com base na punição por infração à ordem legal; aqui, trabalha-se com base na escassez dos recursos.


De qualquer modo, imputando-se ao degradador os custos, inclusive sociais da deterioração gerada por sua atividade ou obra, retira-se do Estado – e, portanto, da sociedade – as despesas que isso gera.


A semelhança com o princípio do usuário-pagador está no fato de fazer com que quem tenha o controle da produção ou obra, que vá obter vantagem com elas, assuma os custos, em razão da escassez dos recursos, como pontuado acima.


Antes de encerrar os comentários a respeito do poluidor-pagador, temos que fazer uma reflexão sobre nossos hábitos de consumo, pois, consumindo produtos, obras, serviços, processos, substâncias degradantes, cada um de nós, de certa forma e em certa medida, apoia atividades degradantes.


À medida que a população vai ficando mais seletiva em suas opções de consumo no critério da degradação – considerando-se toda a cadeia produtiva (os atos de pré-produção, de produção, de comercialização, de uso e de descarte), rejeitando práticas ambientais agressivas, isso obriga as empresas e governos a investirem em pesquisas para desenvolver novas formas de obter seus produtos ou prestar seus serviços.


Por isso, o mecanismo da extrafiscalidade pode e deve ser utilizado também no consumidor, para induzi-lo a opções de compra e consumo ambientalmente mais inteligentes. Todos precisamos estar cientes de que a responsabilidade pelas práticas degradantes não é uma questão afeita apenas ao âmbito interno das empresas e órgãos estatais.


Afinal de contas, são as opções de compra do público, assimilando ou rejeitando determinados produtos, que permitem e sustentam as práticas empresariais: as boas e as ruins.


Reforça-se, nesse ponto, a repartição de responsabilidade do caput do art. 225 da CR: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Se a sociedade descansa na ação exclusiva do Poder Público, a questão ambiental não avançará nunca como deve.


Se queremos consumir produtos ou serviços que impliquem em degradação, também é justo, de acordo com a justiça ambiental, que paguemos mais por isso. Se não quisermos pagar mais, devemos modificar nossos critérios de consumo.


É bem verdade que, no Brasil, ainda não avançamos no sentido de explorar plenamente os benefícios preventivos que esse princípio traz em si como promessa, ficando no conforto da consideração de usos de tributos ou taxas já existentes como se representassem alguma concretude ao princípio.


Nesse sentido, são comumente citados como exemplos o ICMS Verde, a CIDE Combustíveis, as taxas de preservação ambiental (esses, talvez, os mais genuínos da lista), a contribuição de melhoria, taxas de controle e fiscalização ambiental, IPTU, ITR, IPI, IPVA, que, na verdade, não têm a finalidade de prevenção de danos ambientais, no entanto.



PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO



Talvez esse seja o princípio que ocupe posição de centralidade nas preocupações ambientais, que lança forças aos demais princípios, pois o princípio do equilíbrio determina a ponderação de todas as implicações de uma intervenção no meio ambiente, avaliando-a sistemicamente, buscado adotar soluções que melhor conciliem interesses sócio-econômicos e preservação.


O princípio do equilíbrio vai trabalhar tanto com a previsibilidade (princípio da previsão) quanto com a imprevisibilidade (princípio da precaução) das consequências de determinada medida, ação, processo, obra, atividade, substância etc.


É preciso perquirir a utilidade da intervenção que se pretende fazer à comunidade e ao ambiente, analisando as consequências econômicas, ambientais e sociais, quase como que calculando o custo-benefício não só econômico, mas também social e ambiental.


A pergunta fundamental a ser feita é: “como estará a comunidade com e sem a ação pretendida, sistemicamente considerada?” Se a reposta for positiva, a ação pode ser feita. Se houver formas de se fazer que permitam que uma ação em princípio danosa se torne benéfica, devem ser exigidas as técnicas e medidas garantidoras dessa neutralização ou benefício para a comunidade. Se a resposta for negativa, a ação não deve ser permitida.


O princípio do equilíbrio deve ser o que norteia, materialmente, a aprovação de EIAs/RIMAs – Estudos de Impacto Ambiental e seus consequentes Relatórios de Impacto no Meio ambiente. O problema no Brasil é que, via de regra, infelizmente, os profissionais e as autoridades ambientais se contentam com o cumprimento meramente formal das exigências, por isso ainda convivemos com a degradação em níveis tão elevados. Como nossos recursos são abundantes, acabamos tendo a falsa impressão de que tais ações acabam não gerando impactos expressivos.



PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL



Na década de 1980, a Organização das Nações Unidas (ONU) criou uma comissão para mapear a degradação ambiental no planeta. Essa Comissão, liderada pela então Primeira Ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, trabalhou de 1983-1987, produzindo um relatório denominado Nosso Futuro Comum, também conhecido como Relatório Brundtland, documento que é visto como de grande importância para a questão ambiental planetária.


Entre as conclusões da comissão está que para a conservação do capital natural da humanidade, é preciso incentivar - de maneira correta, é claro – o desenvolvimento econômico, pois foi constatada não só uma relação entre geração de riqueza e degradação, mas, também, entre pobreza e degradação: consumismo exacerbado nos países do norte e pobreza nos países do sul.


Assim, para as regiões planetárias pobres, haveria que serem pensadas, patrocinadas, incentivadas e implantadas medidas de promoção econômica, para libertar as populações pobres da relação viciosa com os recursos naturais e assim atender a necessidade presente sem comprometer a de gerações futuras (aqui são perceptíveis os princípios intergeracional, da dignidade, do direito humano fundamental, da precaução e da prevenção).


No entanto, passados mais de 30 anos, pouco ou nada mudou no panorama geral. As iniciativas de socorro aos países pobres, por parte de órgãos da própria ONU, inclusive, que poderiam ser operadas como ações afirmativas, acabam perpetuando a pobreza e a dificuldade, sem representar esforços genuínos em direção da emancipação de tais comunidades. A questão é bastante complexa, porque envolve fatores políticos e interesses de grandes corporações, que acabam se sobrepondo aos interesses das comunidades, que permanecem pobres e enfraquecidas.


Esse documento deu origem à denominada Agenda 21, plano internacional em busca de um novo padrão de desenvolvimento econômico, mais equitativo e eficiente, baseado na proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica. Trata-se de um documento internacional assinado na “Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento” – ECO-92, realizada no Rio de Janeiro, prevendo uma abordagem equilibrada e integrada das questões relativas a meio ambiente e desenvolvimento.


Todas as medidas e ações propostas devem ter em mente garantir que os povos vão permanecer nos limites da capacidade de suporte do planeta Terra.


A Agenda 21, por sua vez, deu oportunidade de uma ampliação dos debates, dando origem aos chamados Objetivos do Milênio, declaração firmada em 2000, por 191 países filiados à ONU, estabelecendo compromissos concretos com prazos fixados, seguindo os indicadores quantitativos, que resultarão na melhora dos destinos da humanidade. São oito objetivos (erradicar a pobreza extrema e a fome, atingir o ensino básico universal, promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres, reduzir a mortalidade infantil, melhorar a saúde materna, combater o HIV/AIDS, a malária e outras doenças, garantir a sustentabilidade ambiental, estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento), com vinte e duas metas e quarenta e oito indicadores.


De acordo com o Relatório Brundtland, desenvolvimento sustentável é aquele que “satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”.


O termo sustentabilidade e a expressão desenvolvimento sustentável têm sido bastante distorcidos tanto por empresas como por agentes governamentais, para justificar ações degradantes, infelizmente. Como a precisão do tema é desconhecida da maioria da população, incoerências acabam sendo justificadas em nome de questionáveis aplicações da sustentabilidade.


Esse é um conceito que, necessariamente, deve ser aplicado, interpretado e cobrado de modo sistêmico, nunca isolado. Qualquer aplicação que se diga sustentável mas que não resista a uma análise sistêmica não é outra coisa senão equívoco ou engodo.


O alcance da sustentabilidade não depende apenas de ações dos governos e dos órgãos internacionais: para chegarmos mais perto dessa realidade, é preciso que indivíduos revejam e modifiquem seus hábitos, atitudes e práticas pessoais, de modo a não mais assimilar produtos, serviços, obras, processos ou substâncias degradantes. Essa é a parcela que cabe à coletividade, além de cobrar eficiência dos órgãos públicos encarregados da aplicação e fiscalização das normas ambientais.



PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE INTERGERACIONAL OU DA INTERVENÇÃO MÍNIMA



Alguns autores denominam esse princípio de desenvolvimento sustentável e isso é compreensível, tendo em vista que o princípio da solidariedade intergeracional se baseia no conceito de desenvolvimento sustentável do Relatório Brundtland que acabamos de citar.


Ele prescreve que as gerações atuais, ou seja, as pessoas atualmente vivas no Planeta, devem preservar o meio ambiente e adotar políticas ambientais para permitir a utilização dos recursos ambientais por seus descendentes.


Esse uso racional dos recursos é fundamental para a continuidade da vida humana, para a sobrevivência daqueles que virão depois de nós, originados por nós.


O Planeta, por si mesmo, sobreviverá a grandes níveis de devastação. Isso já aconteceu antes, em razão de cataclismos. Ele tem todo o tempo do mundo para isso e se reorganiza. Quem não tem tempo ilimitado e não consegue se reorganizar ausentes certas condições é a vida e, em especial, a vida humana. E, dependendo do nível e da profundida da degradação humana do ambiente, podemos chegar a um ponto ao qual não será possível recuperar o equilíbrio ecológico e, portanto, impedir a extinção da vida humana. Além disso, caminhando em direção a uma proteção ecocêntrica, devemos usar com respeito, gratidão e reverência os recursos naturais que temos à nossa disposição.


Por isso, a responsabilidade de evitar que a humanidade chegue a esse ponto que comprometerá a existência de nossas descendências é de quem ocupa o Planeta agora, intervindo no ambiente e utilizando níveis de recursos naturais apenas necessários para sua sobrevivência e qualidade de vida, sem exageros e artificialidades exageradas, como o consumismo exacerbado – por isso alguns o denominam princípio da intervenção mínima. Não só manter a possibilidade de vida humana no Planeta, mas vida humana de qualidade, digna.



PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL OU COOPERAÇÃO ENTRE POVOS



Em sequência dos princípios do desenvolvimento sustentável e do princípio da solidariedade internacional, dado o imperativo sistêmico de tratamento das questões ambientais que vimos reforçando, fica muito claro que os efeitos do desequilíbrio acontecem sequencialmente, como no conhecido efeito dominó.


Os efeitos da poluição, por exemplo, não reconhecem e não respeitam fronteiras nacionais. Uma degradação cometida em um país pode lançar efeitos para seus vizinhos, para toda uma região do globo terrestre ou até para todo orbe. Lembremo-nos de Chernobyl.


Por isso, os esforços de preservação e melhoria ambiental devem acontecer em comum perante os povos e Estados do mundo todo.


Todos deveriam cooperar para a redução das desigualdades sociais, a erradicação da pobreza e contribuir para a conservação, proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre. Não há como obrigar os efeitos de dada degradação, causada pelo excesso de consumo ou pela pobreza, a estarem circunscritos apenas aos países onde ocorrem. São leis físico-químico-biológicas não passíveis de modificação pelo homem. Elas representam o limite à ação humana.


Ainda que a humanidade de hoje possa ter a impressão de que conseguiu atingir os objetivos dos cientistas seiscentistas de se apropriar da natureza e torturá-la até que ela revelasse todos os seus segredos, dominando-a, obrigando-a a servir, devendo ser reduzida à obediência ao homem - no pensamento de Francis Bacon, que influenciou o pensamento científico a partir do século XVII -, o fato é que isso é impossível e existem consequências e reações do meio. Essas consequências e reações, em geral, são de lenta percepção. Então, o ser humano tem a falsa sensação de que dominou integralmente a natureza. Mas, não.


Todavia, para que a preservação da vida tenha chances, é preciso um esforço coordenado de cooperação de todos os povos em torno desse objetivo, o que é extremamente difícil de conseguir, dados os interesses políticos e dos grandes conglomerados econômicos.


Entre avanços e retrocessos, isso vem sendo objeto de vários acordos, protocolos, declarações e recomendações internacionais.



PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO ESTATAL



Dissemos antes que o Estado é a única figura de autoridade dotada de poder de polícia para intervir na vida privada e determinar ou impedir condutas que ponham em risco a estabilidade e a harmonia social.


Decorrente disso e da responsabilidade do Estado pela preservação do meio equilibrado, impõe-se ao Poder Público o poder-dever de controle para garantir a preservação e a melhoria dos recursos ambientais, bem de natureza pública, como vimos.


A proteção ambiental é tutela de caráter público, sendo prescritos vários deveres ao Estado, nesse sentido, nos termos do parágrafo1º, do art. 225, CR.


Registre-se que o interesse ambiental tem caráter indisponível, ou seja, os órgãos e agentes estatais não podem dispor deles da forma como bem entenderem: devem estar sempre justificados na lei, no interesse social, na oportunidade e na conveniência. Sempre apreciados de maneira sistêmica, nunca isolada e transparente, como exigido pelo princípio da publicidade.




PRINCÍPIO DO LIMITE - Art. 225, § 1º, CR



Decorrente do princípio da intervenção estatal, como uma de suas expressões, há o princípio do limite, que está sedimentado no inciso V do art. 225, CR, incumbindo o Estado de “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.


Para isso, cabe, portanto, ao Estado, através dos órgãos competentes, o dever de fixar parâmetros mínimos para emissões de partículas, ruídos, sons, destinação final de resíduos sólidos, hospitalares e líquidos etc., que devem ser seguidos por todos, inclusive, por entidades estatais.



PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO


É sabido que onde há ser humano, há impacto ambiental. A maioria dos impactos causados no ambiente pelo homem fica em níveis que a natureza e o sistema ecológico conseguem absorver, recompondo-se em pequeno período de tempo.


Porém, em muitos casos, dada a agressividade da ação, ou a intensidade ou o número de replicações, o Planeta levará um período muito mais longo para se adaptar às modificações artificiais nele introduzidas. O risco maior, diga-se novamente, é para a vida humana.


Dessa forma, como o potencial de dano de muitas ações humanas no ambiente já é conhecido, estabeleceu-se o princípio da prevenção, que visa evitar, minimizar, mitigar ou compensar os danos ambientais de uma obra, empreendimento, atividade, processo, substância etc.


Dependendo do potencial de dano, a ação é banida das práticas permitidas ou são feitas exigências de que a ação seja feita utilizando-se técnicas que neutralizem a degradação ou, ao menos, a minimizem. É possível, também, pensar em medidas compensatórias, desde que efetivas e ligadas diretamente à ação degradante em questão.


Esse princípio é concretizado no Brasil por meio do procedimento ambiental mais importante do mundo, denominado licenciamento ambiental, que exige a realização de aprofundados estudos (EIA) sobre os possíveis impactos que a ação terá no ambiente, na comunidade e na economia, devendo ser confeccionado um relatório que possa ser compreendido por todos (RIMA), que deve ser apresentado à comunidade que poderá opinar a respeito (audiência pública, princípios da publicidade e da participação), da forma como expusemos no princípio do equilíbrio.


Infelizmente, também esse instrumento rico e potente está banalizado entre nós, limitando-se, no mais das vezes, ao cumprimento de formalidades. Assim como o recurso da compensação ambiental tem-se tornado panaceia para justificar toda flexibilização das normas ambientais.


Se a ciência já conhece e atesta o potencial degradante de alguma ação, ela deve, portanto, ser evitada, inclusive para dar cumprimento a outros princípios, como o da solidariedade intergeracional e o do desenvolvimento sustentável. Trata-se de respeito.


De certa forma, todo o nosso direito ambiental está assentado na prevenção, porque é mais fácil e mais barato prevenir do que remediar... isso é sabedoria popular já comprovada.


A lei de PNMA prevê treze instrumentos de ação para a preservação ambiental: doze deles são preventivos e apenas um, repressivo. É o bom-senso. Precisa ser posto em prática pelos profissionais e agentes públicos.



PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO



No entanto, há situações em que a ciência ainda não conhece todos os desdobramentos e efeitos de determinada ação humana para o ambiente. Existe dúvida se determinado produto, energia, tecnologia, processo, obra, substância, atividade etc. são ou não nocivos ao ambiente e ao ser humano, direta ou indiretamente.


Na situação de incerteza científica sobre consequências e efeitos de ações novas, aplica-se o princípio da precaução, para proibir-se a ação ou cercá-la dos maiores e melhores cuidados e constante monitoramente, até que o interessado prove a ausência de potencial danoso. Essa prova tem que ser cientificamente pacífica, ou seja, plenamente aceitas por toda a comunidade científica.


O princípio da precaução se baseia na própria história recente em que diversas substâncias foram comercializadas, por exemplo, sem que se pesquisassem todos os desdobramentos possíveis (ciência mecanicista, isolacionista; interesses econômicos e políticos), sem o que não se conheceu os males diversos e, algumas vezes, irreversíveis, que causaram grande dano a pessoas e ao meio, como nos casos da talidomida (Amida Nftálica do Ácido Glutâmico), o DDT (diclorodifeniltricloroetano), os cigarros, os CFCs (clorofluorcarbonetos), o amianto ou asbesto, que quando tiveram, finalmente, seu uso banido ou restrito, já haviam feito vítimas e provocado males irreversíveis.


Então, em nome do potencial de irreversibilidade de eventuais danos ou riscos, aplica-se o princípio da precaução. É o que se deveria recomendar, atualmente, por exemplo, a respeito da poluição eletromagnética, causada por aparelhos que emitem radiação não-ionizante, cujos efeitos no corpo humano ainda não estão satisfatoriamente demonstrados.


Colocar no mercado à disposição do público produtos ou serviços cujos estudos aprofundados não tenham sido conclusivos é temeridade e gera responsabilidade institucional e pessoal para os envolvidos.


Esse princípio impõe o que denominamos de inversão da obrigação de provar ou inversão do ônus da prova: cabe ao interessado demonstrar, inequivocamente, que o que pretende fazer ou produzir não acarreta mal e não ao contrário: o órgão competente pelo controle demonstrar que causa mal.


Um exemplo do princípio da precaução em nosso ordenamento pode ser visto no parágrafo 3º do art. 54 da lei nº 9.605/98, Lei de Crimes Ambientais.



PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SÓCIO-AMBIENTAL DA PROPRIEDADE



Nossa Constituição e, portanto, o povo brasileiro, reconhecem o direito à propriedade privada. Isso está no inciso XXII do art. 5º da CR.


Porém, esse direito – como qualquer outro - não é absoluto, nem ilimitado. O inciso XXIII, na sequência, vem determinando que toda propriedade deve cumprir uma função social.


A propriedade cumpre sua função social quando é exercida nos limites da lei e mantendo a comunidade em que está sendo utilizada no nível da positividade ou da neutralidade. Isso significa que qualquer bem que um indivíduo possua deve ser usado por ele de forma a não interferir negativamente na vida das pessoas, mantendo-se no nível da neutralidade, ou, se possível, promover benefícios para a coletividade. A isso se denomina princípio da função social da propriedade.


É em razão do desse princípio e desse mandamento constitucional que, por exemplo, uma grande extensão de terra, num país de vocação agrícola como o nosso, que seja mantida improdutiva, não beneficia e acaba prejudicando a coletividade, pode ser objeto de reforma agrária.


No campo ambiental, toda propriedade, quer rural, urbana, empresarial, particular ou pública deve ser usada e fruída de forma a não interferir negativamente no meio ambiente, deixando-o da mesma forma que estava antes da intervenção humana específica, senão melhor. Esse princípio se liga, como é fácil perceber, ao princípio do equilíbrio.



PRINCÍPIO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL



Nenhuma lei ou fiscalização tem poder maior do que a educação.


Um povo que desenvolva uma consciência ambiental demandará muito menos recursos financeiros e estatais para tratar a questão.


Por isso, o princípio da educação ambiental é importante a médio e longo prazo e só ele será capaz de dar efetividade aos princípios da sustentabilidade e da solidariedade intergeracional.


A lei que estabeleceu a PNMA prevê que conteúdos de caráter ambiental devem estar nos currículos de todas as escolas do país, em todos os níveis de ensino, no nosso sistema de educação formal.


Mas isso é, ainda, insuficiente. É necessária uma conscientização pública para a preservação do meio ambiente. Por isso, foi também constatada a necessidade de uma política pública específica para isso, tendo-se editada a lei nº 9.795/99, que estabeleceu a Política Nacional de Educação Ambiental–PNEA, que prevê, também, ações de educação de massa, através dos meios de comunicação, por exemplo.


Nesse princípio se assenta nossa perspectiva de futuro.




PRINCÍPIO DO PROTETOR-RECEPTOR



O ditado popular já ensina que se pega muito mais moscas com mel do que com vinagre...


A grande maioria dos instrumentos de nossa política ambiental trabalha com a ideia de proibições e exigências para induzir às boas práticas ambientais.


No entanto, é sabido que o reforço positivo de ações benéficas costuma ser mais eficaz e duradouro.


O objetivo central de toda a estruturação de normas ambientais é conseguir a proteção dos recursos naturais, o que se faz em benefício de toda a coletividade. Assim, ações de defesa ou preservação do ambiente devem ser recompensadas, para estimular sua adoção, prevendo-se alguma vantagem troca da colaboração com a coletividade, o que contribui para a efetividade do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.


Também aqui pode atuar a extrafiscalidade mencionada no princípio do usuário-pagador, só que em forma de incentivos financeiros.


A iniciativa pioneira foi do Estado do Amazonas com o programa denominado Bolsa Floresta, voltado para moradores de unidades de conservação (UCs), prevendo pagamentos anuais às famílias. O programa é dividido em quatro componentes: Bolsa Floresta Familiar (pagamentos diretos à mulher representante de família), Bolsa Floresta Rende (geração de renda - produção de castanha, pirarucu, açái, turismo etc); Bolsa Floresta Social (para iniciativas sociais de educação e saúde) e o Bolsa Floresta Associação (fortalecimento das organizações comunitárias). Só podem participar do programa famílias com mais de dois anos de residência nas unidades de conservação. Apesar das polêmicas que envolvem o projeto, como questionamentos do Tribunal de Contas do Estado, da aplicação da verba encaminhada, a ideia é virtuosa.


Outro exemplo é o programa Bolsa-Verde de Minas Gerais (Decreto 45.113/09), que prevê o pagamento anual para cada hectare coberto com vegetação nativa, dando prioridade aos agricultores familiares e pequenos produtores rurais. Também serão contemplados produtores cujas propriedades estejam localizadas no interior de unidades de conservação e sujeitos à desapropriação. O programa de Minas Gerais contempla duas modalidades: a remuneração por serviços ambientais prestados e o repasse de recursos financeiros menores mais insumos para restauração, recuperação ou recomposição de áreas nativas.


O governo federal também mantém um programa denominado Bolsa-Verde (Lei nº 12.512), que pretende apoiar famílias em situação de extrema pobreza incentivando práticas de proteção a natureza, concedendo, a cada trimestre, um benefício em dinheiro aos que vivem em áreas prioritárias para conservação ambiental. O benefício é concedido por dois anos, e pode ser renovado.


Percebe-se que ações de reforço positivo são ainda incipientes e, talvez, pouco eficientes. Mas a ideia da indução pelo positivo é extremamente válida.


Além disso, diversos Estados têm operado o que vem se denominando de ICMS Verde.



PRINCÍPIO DA UBIQUIDADE OU ONIPRESENÇA



O último princípio de que vamos tratar é o que o jurista Celso Fiorillo denomina de princípio da ubiquidade e que bem justifica porque o direito ambiental deve ser entendido como um metadireito ou supradireito, como já mencionado, no texto anterior.


Se toda ação humana impacta o ambiente, variando apenas no graus de impacto, na intensidade e na quantidade, então, toda ação humana deve ser precedida de reflexão sobre o impacto ambiental.


Como as questões ambientais se sujeitam a leis naturais, não passíveis de alteração ou revogação pelos seres humanos, elas lançam os limites concretos de nossa existência. Poderíamos estabelecer uma lei revogando a lei da gravidade ou determinando que nenhum objeto ao ser solto no ar deve cair ao solo?


Como o equilíbrio ambiental é sistêmico, a preocupação ambiental deve estar presente em todos os lugares ao mesmo tempo, daí usarmos o termo onipresença. Por isso a questão ambiental é vista como um portal que todos deveremos atravessar, ainda que por motivos egoísticos.


Não se trata de arrogância do direito ambiental em relação aos demais ramos do direito: é uma necessidade substancial e prática. A preocupação ambiental deve estar em tudo e com todos.



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